Depois das vitórias de Bernie Sanders nas primárias de New Hampshire e no caucus de Nevada, os demais pré-candidatos do Partido Democrata transformaram o senador independente em alvo preferencial. A estratégia visa evitar novo triunfo nas primárias da Carolina do Sul, no próximo sábado, essenciais para as pretensões de Joe Biden, cuja campanha ainda não deslanchou. No debate realizado anteontem em Charleston, a maior e mais antiga cidade da Carolina do Sul, o ex-vice de Barack Obama criticou o fato de Sanders apoiar a indústria de armas e desqualificou a promessa dele de bancar um plano de saúde para todos os americanos. O bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, acusou a Rússia de apoiar o senador para potencializar as chances de reeleição de Donald Trump.
Por sua vez, o estreante Pete Buttigieg atacou os enormes custos do programa eleitoral de Sanders e advertiu que a candidatura do independente levaria caos à corrida rumo à Casa Branca. A também senadora Elizabeth Warren apontou “profundas diferenças” com Sanders, apesar de compartilhar a agenda progressista dele. Ao se afastar das críticas de que seria “radical demais”, o independente desconversou: “A forma de derrotar Trump — que é o que todos desejam — é que precisamos de uma campanha com energia e emoção. E precisamos trazer de volta a classe trabalhadora para o Partido Democrata”, defendeu.
Professora de ciência política da Universidade da Carolina do Sul, Katherine Barbieri afirmou ao Correio que Sanders ganhou no voto popular nas três primeiras disputas (Iowa, New Hampshire e Nevada) e conta com uma vantagem de dois dígitos nas pesquisas nacionais, a menos de uma semana da Super Terça, quando 14 estados realizarão primárias e caucuses e escolherão um terço dos delegados que definirão o candidato presidencial na Convenção Nacional do Partido Democrata, em julho. “O resultado disso é que seus adversários precisavam machucá-lo gravemente, e Sanders foi realmente o mais atacado no debate. Apesar disso, os rivais fracassaram em pressioná-lo fortemente. Sua reação aos ataques produziu mais ataques. Sanders sobreviveu a todas as críticas sem cometer grandes erros”, explicou. “A honestidade sempre foi o apelo do senador. Portanto, o debate não prejudicou sua posição no ciclo eleitoral. Ele era e continua a ser o favorito.”
Endosso
Na tentativa de deter o crescimento de Sanders, Biden obteve ontem um importante endosso: do deputado Jay Clyburn, o democrata mais respeitado da Carolina do Sul e o afro-americano de mais alto nível no Congresso. “A Carolina do Sul deveria votar em Joe Biden”, disse Clyburn, em um evento onde o considerou o “mais bem preparado” para “restaurar a dignidade e o respeito do país”. “A adesão não foi uma surpresa, mas sim, o fato de Biden precisar dela para ganhar uma primária. A vitória na Carolina do Sul é crucial para Biden permanecer na corrida; mas, semana após semana, a liderança de Biden no estado está encolhendo para números de dígito único. Essa decadência não é simplesmente produto do engajamento de seus rivais com a população local, mas algo sobre o próprio Biden”, disse Barbieri. A estudiosa acredita que, mesmo provável, o triunfo na Carolina do Sul será muito pouco e virá tarde demais para Biden se recuperar.
Colega de Barbieri na mesma universidade, o também cientista político Robert Henry Cox disse à reportagem que os ataques recebidos por Sanders são um indício de que os outros pré-candidatos o veem como favorito na competição. “O mais poderoso ataque, na minha opinião, envolveu a acusação de que ele foi longe demais rumo à esquerda, e que tê-lo como candidato democrata surtiria em efeito negativo sobre os postulantes do partido para a Câmara dos Representantes e o Senado”, admitiu. Ele considera Sanders uma figura divisora e lembra que o político nem mesmo faz parte do Partido Democrata. “Na verdade, ele é um independente disputado como se fosse democrata. Muitos de dentro do partido se ressentem de sua condição de forasteiro.”
Para Cox, o aval de Clyburn a Biden pode inclinar a disputa na Carolina do Sul a favor do ex-vice de Obama. “Além de ser um político de imensa estatura no estado, ele tem uma ‘máquina eleitoral’ de voluntários que estarão ocupados durante o resto da semana para fazer campanha em prol de Biden. Esses voluntários também ajudarão a criar forte afluência de eleitores às urnas”, observa.
Pontos de vista
Por Robert Henry Cox
Sólida base
de sustentação
“Três fatores explicam o apoio a Bernie Sanders. Em primeiro lugar, ele construiu sua base de sustentação há muitos anos. Sanders concorreu contra Hillary Clinton em 2016, e até explorou uma disputa contra Barack Obama em 2012. Ele é como Joe Biden, que tem cultivado apoio por vários anos. A mensagem de Sanders sobre mudar o sistema é muito popular entre jovens eleitores, especialmente nas universidades. Ela também é atraente a muitas pessoas pobres e da classe operária, que se sentem esquecidas por ambos os partidos. Nas últimas eleições, essas pessoas votaram em Trump, mas as políticas do magnata não as ajudaram. Dessa vez, eles esperam que Bernie preste atenção neles.”
Professor de ciência política da Universidade da Carolina do Sul
Por Katherine Barbieri
Longe da
unanimidade
“Há cerca de quatro anos, as pessoas diziam que o presidente Trump era uma figura perigosamente divisora e perturbadora para o Partido Republicano. Agora, o Partido Republicano parece unido mais do que nunca. O fato de não haver unanimidade dentro do Partido Democrata é absolutamente verdadeiro, mas é disso que se trata o processo eleitoral das primárias e dos caucuses: trazer unidade e nome do vencedor. O problema com Bernie Sanders não está realmente em seus pontos de vista esquerdistas. Todos sabem que a Presidência não pode reformar um país como os EUA sem o consentimento da Câmara e do Senado que jamais apoiariam completamente a visão de Sanders.”
Professora de ciência política da Universidade da Carolina do Sul