Em exatamente uma semana, os Estados Unidos e a milícia fundamentalista islâmica afegã Talibã devem assinar um acordo de paz, depois de 19 anos de uma guerra que deixou 1.909 soldados americanos mortos e 20.717 feridos (veja quadro). Antes, as duas partes respeitarão um período de trégua de sete dias, o qual começa oficialmente hoje. “Depois que se começar a aplicar corretamente este compromisso (de redução da violência), espera-se a assinatura do acordo entre os Estados Unidos e os talibãs”, afirmou o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, em comunicado divulgado após visita à Arábia Saudita. “Estamos nos preparando para a assinatura ocorrer em 29 de fevereiro. As negociações intra-afegãos ocorrerão em breve, e serão construídas sobre esse passo fundamental para um cessar-fogo abrangente e permanente e para o futuro mapa do caminho político do Afeganistão. A única maneira de alcançar uma paz sustentável no Afeganistão é pela união e pela concordância dos afegãos em seguirem adiante”, acrescentou.
Pompeo reconheceu desafios para se alcançar a paz, mas explicou que os progressos feitos nas negociações em Doha (Catar) fornecem esperança e representam uma oportunidade real. “Os EUA apelam a todos os afegãos para agarrarem esse momento e agradecem ao Estado do Catar e a outros aliados e parceiros por seu apoio pela paz no Afeganistão”, conclui o texto. A data de 29 de fevereiro tinha sido mencionada anteriormente por uma autoridade de Cabul, informou a agência France-Presse. De acordo com essa fonte, a assinatura do acordo deve ocorrer em Doha e está condicionada ao sucesso desse período experimental de trégiua.
Também por meio de nota, Zabihullah Mujahid, porta-voz do Talibã, confirmou que o grupo “concordou em criar condições adequadas para a assinatura de um acordo com o lado americano, e os mujahedine (guerrilheiros islâmicos) devem começar a implementar o programa que lhes será fornecido nos próximos sete dias”. “Todos os mujahedine devem cumprir com seus deveres pelos próximos sete dias, permanecer defensivamente alertas em caso de violação e se abster estritamente de entrar em território inimigo”, afirmou Zabihullah. “Após o fim deste período de sete dias e a assinatura do pacto no oitavo dia, todos os mujahedine receberão novas informações e instruções, em consonância com o acordo, e sua implementação deve começar.”
O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, saudou o anúncio sobre “um entendimento alcançado sobre a redução significativa da violência no Afeganistão”. “Isso poderia abrir caminho para a paz sustentável e garantir que o país nunca mais seja um porto seguro para terroristas”, declarou. Segundo ele, este é um teste crítico da disposição e da habilidade do Talibã em diminuir a violência e contribuir para a paz de boa-fé. O enviado especial da Rússia a Cabul, Zamir Kabulov, também elogiou o acordo, ao considerar que se trata de um “evento importante” para a paz no Afeganistão.
Perigo
Em entrevista ao Correio, Najibullah Lafraie, ministro das Relações Exteriores do Afeganistão entre 1992 e 1996, disse esperar que o cessar-fogo seja bem-sucedido, mas admitiu que as chances de algo sair errado são “altas”. “Não existe uma autoridade imparcial para verificar a observância da trégua. O presidente norte-americano, Donald Trump, poderia acordar com humor diferente, em uma manhã, e declarar que o Talibã não honrou o compromisso. O governo de Cabul também poderia sabotar o processo. Além disso, existe a possibilidade de o Estado Islâmico e alguns grupos dissidentes do Talibã culparem a milícia por suas operações. E é possível que alguns comandantes talibãs não sigam a o chamado de seu líder”, explicou. Um indicativo disso foi dado em Kandahar, no sul do país, onde o comandante talibã Hafiz Saeed Hedayat declarou que recebeu somente ordens de parar de atacar as principais cidades e rodovias.
Para Lafraie, se a “redução das hostilidades” for observada, o acordo de paz será assinado entre o Talibã e os EUA. “Muito provavelmente, haverá um cronograma de retirada das tropas estrangeiras. Também fornecerá negociações entre os afegãos. O processo seria longo e traiçoeiro, e não será concluido antes das eleições presidenciais americanas de 3 de novembro. É possível que, uma vez eleito, Trump descarte os acordo de paz. Precisamos ser muito cautelosos, ainda que cautelosamente otimistas.”
Retrato da guerra
Dados importantes do conflito que Washington pretende terminar após pacto com o Talibã:
Os soldados
» Em dezembro de 2001, três meses após os atentados de 11 de setembro, A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) interviu no Afeganistão, mas o maior contingente militar ficou por conta dos Estados Unidos. Segundo dados do Pentágono, a guerra mobilizou 98 mil soldados em 2011. Em fevereiro de 2020, 16.500 soldados de 38 países seguiam no país para participar da missão Apoio Resoluto, da Otan. Aqueles que ficaram em território afegão têm apenas a missão de formação e ajuda ao Exército afegão.
Militares no país atualmente:
Estados Unidos: 8 mil
Alemanha: 1.300
Reino Unido: 1.100
Itália: 900
Geórgia: 870
Romênia: 800
As baixas
» Os EUA são o país da Otan com maior número de baixas: 1.909 mortos em combate e 20.717 feridos até anteontem. Depois dele, entre os países da Aliança, o Reino Unido é o segundo com o maior número de baixas, com 454 mortos, seguido do Canadá (157) e da França (89), que se retirou do conflito em 2012. A ONU estima que entre 32 mil e 60 mil civis afegãos também morreram.
O custo
» Em 30 de setembro de 2019, o Pentágono estimava que o custo das operações militares no Afeganistão chegou à cifra de US$ 776 milhões desde 2001, incluindo os US$ 197,3 milhões destinados à reconstrução do país e de suas instituições. No entanto, pesquisadores calculam que o custo total dos Estados Unidos com guerras de combate ao terrorismo no Iraque, Afeganistão e em outros lugares do planeta foi de cerca de US$ 6,4 trilhões, desde 2001.