O exército do governo do Sudão do Sul e outros grupos armados rebeldes na guerra civil "submeteram deliberadamente à fome" a população, negando acesso à ajuda humanitária e forçando seu deslocamento, denuncia um relatório da ONU divulgado nesta quinta-feira (20/2).
A publicação do relatório acontece a dois dias do fim do prazo para a formação de um governo de união nacional, previsto no acordo de paz de 2018.
Nesta quinta-feira, o presidente Salva Kiir e seu rival Riek Machar se reuniram e anunciaram que vão definir no sábado a formação desse governo.
"Atualmente no Sudão do Sul, os civis são deliberadamente submetidos à fome, monitorados e silenciados sistematicamente, detidos arbitrariamente e com acesso negado à justiça", denuncia o relatório de uma comissão de direitos humanos da ONU.
A comissão, criada em 2016 pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU para reunir evidências que poderiam ser usadas para julgar os autores das atrocidades, analisou os abusos cometidos entre setembro de 2018, data de assinatura de um acordo de paz em Adis Abeba, e dezembro de 2019.
Os três membros desta comissão acusaram as "elites predatórias que não prestam contas a ninguém" e menos ainda à população, a verdadeira vítima da guerra civil que eclodiu em dezembro de 2013.
A comissão denuncia as múltiplas disputas e atrasos no processo de formação de um governo de união nacional em razão "de uma falta de vontade política".
"As elites políticas continuam ignorando o imenso sofrimento de milhões de civis", diz.
O Sudão do Sul mergulhou na guerra civil em 2013, dois anos após sua independência do Sudão, quando o presidente Salva Kiir acusou Riek Machar, seu ex-presidente de promover um golpe de Estado.
O conflito, marcado por atrocidades e estupros como arma de guerra, deixou mais de 380.000 mortos e causou uma crise humanitária catastrófica.
'Muito preocupante'
A aplicação do acordo de paz continua sendo dificultada pelo recrutamento contínuo de crianças soldados pelo governo e pelas forças rebeldes, pela violência que matou centenas em 2018 e 2019, pela violência sexual e corrupção, estabeleceu a comissão.
"O comitê observa com grande preocupação que, além dos fatores climáticos, as forças do governo e as forças armadas adotaram políticas responsáveis pela fome da população em Wau e no Estado da Unidade", no norte do país, adiciona o relatório.
"A recusa em permitir ajuda humanitária e os deslocamentos forçados, favorecidos por manobras ilegais, agravara, a fome em diferentes partes do país, privando centenas de milhares de civis de direitos vitais, como acesso à alimentação", afirmou a comissão.
O acordo de paz de 2018 é a tentativa mais recente de acabar com o conflito e pressionar Kiir e Machar a governar juntos. As duas tentativas anteriores terminaram em um banho de sangue.
A formação do governo de união nacional já foi adiada duas vezes por divergências, principalmente sobre questões segurança, o acantonamento das forças do governo e rebeldes e a questão central do número de estados regionais.
A comissão também observa que os combates continuam na região de Equateur (sul) entre o exército do governo e vários grupos rebeldes. Essa violência matou pelo menos 531 pessoas entre fevereiro e maio de 2019 e alimentou a corrupção, disse.
"A corrupção tornou vários oficiais extremamente ricos às custas de milhões de civis famintos", afirma o relatório, segundo o qual milhões de dólares em impostos públicos foram desviados.
Além disse, governo e rebeldes continuam a recrutar crianças soldados: 19.000 durante o período observado de acordo com a comissão.
Da mesma forma, cerca de 2,2 milhões de crianças estão fora da escola e 30% das escolas permanecem fechadas.