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Forte polarização e união contra Trump

Cientistas políticos de New Hampshire veem divisão entre progressistas e moderados no Partido Democrata, que realizou primárias no estado, ontem. Pesquisa revela que eleitores votaram em candidato capaz de vencer o presidente em novembro









Depois do fiasco do caucus de Iowa, com problemas técnicos na contagem de votos, os eleitores de New Hampshire enfrentaram a neve para escolher entre os 11 pré-candidatos do Partido Democrata à Casa Branca nas primárias do estado — as primeiras do país. Com 1,3 milhão de habitantes, New Hampshire será representado por 24 delegados na Convenção Nacional Democrata, entre 13 de 16 de julho, em Milwaukee (Wisconsin). A votação de ontem mostrou forte polarização entre os candidatos e a consonância entre eleitores sobre a insatisfação com o governo de Donald Trump. Pesquisa da CNN com 1.947 cidadãos de 45 distritos eleitorais de New Hampshire apontou que seis em cada 10 priorizaram um pré-candidato capaz de derrotar o magnata republicano.

O senador esquerdista Bernie Sanders, 78 anos, e o ex-prefeito moderado Pete Buttigieg, 38, lideravam a apuração.  Até o fechamento desta edição, à zero hora de hoje, com 69% dos votos contabilizados, Sanders tinha 26,3% contra 23,9% para Butttigieg. “New Hampshire, hoje, temos a oportunidade de terminar o que começamos quatro anos atrás e de enviar uma poderosa mensagem aos multimilionários. Saiam para votar!”, pediu Sanders aos eleitores, mais cedo. “Votar é um ato de esperança. Reflete a fé na democracia e em seu poder de tornar nossa união mais perfeita. (…) New Hampshire, sua esperança energizou nosso movimento”, disse Buttigieg.

O ex-vice-presidente Joe Biden, que ficou em quarto colocado em Iowa, prometeu não desistir de New Hampshire, mas viajou para a Carolina do Sul, que realiza primárias em 29 de fevereiro. Na noite de ontem, o empresário Andrew Yang, que propôs o pagamento de US$ 1 mil mensais a todos os adultos do país, retirou a candidatura.

Especialistas consultados pelo Correio admitiram a importância de New Hampshire para a indicação do candidato democrata à eleição de 3 de novembro, mas alertaram que o afunilamento da disputa levará tempo e não mostraram euforia com a adesão de Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York, a partir da 3 de março. Diretor do Departamento de Governo do Dartmouth College (em New Hampshire), Dean P. Lacy disse que os democratas estão polarizados entre uma ala progressista, com Sanders e a senadora Elizabeth Warren, e outra moderada, com Biden, a senadora Amy Klobuchar e Buttigieg. “Com a presença de candidatos sem experiência política anterior, como o filantropo Tom Steyer, o campo de disputa está mais dividido do que nos anos anteriores.”

“New Hampshire será importante para separar os favoritos de cada ala: Warren ou Sanders, entre os progressistas; e Biden, Buttigieg e Klobuchar, entre os moderados”, acrescentou. Lacy crê que Sanders e Warren devem competir entre si pela indicação nas próximas primárias. “Será difícil para Biden, Buttigieg, Klobuchar e Steyer ficarem na disputa por muito tempo, depois de New Hampshire, pois brigam pelos mesmos eleitores.”

Professor emérito de ciência política da Universidade de New Hampshire, Bernard Gordon explicou que as primárias do estado são motivo de preocupação para os democratas. “O termo ‘polarização’ não se aplica aos eleitores, mas a grandes divergências entre eleitores republicanos e democratas. O eleitor americano é amplamente ‘centrista’, e ligeiramente inclinado à ‘direita’ em seus pontos de vista, mas muita atenção da mídia a políticos novos e marginais dá a impressão de forte polarização.”

Chances

O especialista considera “muito exagerada” a competição entre Sanders e Buttigieg. “Essa disputa não continuará como foco principal das primárias nas próximas semanas, a menos que permaneçam claramente na disputa como, respectivamente, o primeiro e o segundo colocados. Quanto a Bloomberg, ele desempenhará um papel mais importante se Sanders continuar a exibir grande força. Se mais candidatos moderados surgirem, a candidatura de Bloomberg será reduzida”, afirma Gordon. Ele aposta que os dois principais democratas capazes de “tirar” a Presidência de Trump são Klobuchar e Buttigieg.

Professora emérita de governo do Dartmouth College (em New Hampshire), Linda Fowler disse que a imprensa reduziu o campo de disputa a quatro pré-candidatos: Buttigieg, Biden, Warren e Sanders. “Há sérias dúvidas sobre se conseguirão vencer Trump. Com tanta incerteza, candidatos com recursos financeiros ficarão na disputa pelo menos até depois das primárias da Carolina do Sul e do caucus de Nevada (22).”

Fowler prevê que a disputa se restringirá a duas visões dentro do partido — a ala mais à esquerda, liderada por Sanders, e a mais centrista, comandada por Buttigieg, Klobuchar ou Biden. “O grupo de Sanders argumenta que sua visão trará novos eleitores e energizará o partido. O grupo centrista aponta para vitórias democratas nas eleições legislativas de 2018, as quais resultaram em apelos aos eleitores independentes e suburbanos. Esse grupo crê que alguém como Sanders no topo comprometerá esses ganhos e custará ao partido importantes disputas pelo Senado.”



“New Hampshire, hoje, temos a oportunidade (...) de enviar uma poderosa mensagem aos multimilionários”  
Bernie Sanders, ao pedir que os eleitores  votassem, ontem



Áudio usado contra Michael Bloomberg
Um áudio em que Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York e potencial candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata, defende revistas policias contra minorias foi classificado de “totalmente racista” pelo presidente Donald Trump. Na gravação, datada de 2015, Bloomberg afirma que o melhor modo de diminuir a violência armada praticada pelas minorias na metrópole é “jogá-las contra a parede e revistá-las”. “Uau! Bloomberg é um racista absoluto!”, escreveu o magnata republicano no Twitter. Em comunicado à imprensa, Bloomberg acusou Trump de apagar a mesma mensagem, em um “esforço sem-fim de dividir os americanos”. “O ataque do presidente contra mim reflete seu medo sobre a crescente força de minha campanha. Não se engane, senhor presidente: não tenho medo de você e não deixarei que você intimide a mim ou qualquer pessoa na América. Entre agora e novembro, farei tudo o que puder para derrotá-lo.”




Pontos de vista


Por Dean P. Lacy

Disputa aberta

“A disputa entre os democratas está em aberto, e não será simplesmente entre Bernie Sanders e Pete Buttigieg. Joe Biden tem muito apoio entre os eleitores afro-americanos, que surtirão grande impacto nas próximas primárias, a começar com a Carolina do Sul, dentro de duas semanas. Michael Bloomberg (ex-prefeito de Nova York) pode receber apoio de candidatos que desistirem nas próximas primárias. Provavelmente, ele não ganhará os votos de Sanders e de Elizabeth Warren, mas poderá buscar a simpatia daqueles que apoiam Biden, Amy Klobuchar ou Buttigieg, caso algum deles desista em março.”

Diretor do Departamento de Governo do Dartmouth College, em New Hampshire




Por Nelson M. Kasfir

Estados atípicos

“Tanto Iowa quanto New Hampshire são primárias demograficamente atípicas, e o campo está realmente polarizado. Parece improvável que o campo se tornará substancialmente mais reduzido após os resultados de New Hampshire. Caso Warren se saia muito mal (um quinto lugar, com 5%), ela poderá desistir imediatamente da disputa. Biden não vai jogar a toalha por enquanto, pois sua chance estará na Carolina do Sul, na próxima semana. Steyer tem dinheiro para se manter. Eu diria que o campo de disputa não se tornará muito menor até depois da Super Terça-Feira, em 3 de março.”

Professor do Departamento de Governo do Dartmouth College, em New Hampshire


Por Bernard Gordon


Socialismo preocupante

“Um palpite rápido e prematuro é o de que Sanders continuará com uma votação muito alta, e que uma candidata anterior menos conhecida, a senadora Amy Klobuchar, se tornará mais proeminente. Se ela  chegar ao terceiro lugar em New Hampshire, receberá uma nova atenção. Sanders certamente terá uma votação alta, e essa perspectiva preocupa os eleitores tradicionais do Partido Democrata, principalmente por dois fatores: sua idade e seu histórico como socialista democrata. A maioria dos americanos e dos eleitores de New Hampshire não apoia essa identificação socialista.”

Professor emérito de ciência política da Universidade de New Hampshire