A crise política na Alemanha, deflagrada após uma aliança eleitoral inédita entre conservadores e a ultradireita nas eleições da Turíngia, chegou ontem à sucessão de Angela Merkel. Escolhida pela própria chanceler como sua herdeira, Annegret Kramp-Karrenbauer renunciou à candidatura ao cargo de chefe de governo e decidiu deixar em breve a Presidência da União Democrata Cristã (CDU).
Trata-se de um duro revés para Merkel, que havia escolhido AKK, como é conhecida, por sua linha moderada, a despeito de algumas divergências políticas. “É possível que o fim da chanceler esteja próximo”, afirmou o jornal Süddeutsche Zeitung.
O ministro da Economia, Peter Altmaier, muito próximo a Merkel, descreveu uma “situação extremamente grave” para o partido conservador da chanceler. “Nosso futuro está em jogo”, declarou, enquanto o Partido Verde falou de uma “situação dramática” para o país.
Desde a “união” da CDU com o Alternativa para Alemanha (AfD) em torno da candidatura de Thomas Kemmerich, do Partido Democrático Liberal (FDP, na sigla alemã), ela era alvo de uma enxurrada de críticas. AKK teve sua autoridade questionada por não controlar o partido. Ontem, cinco dias após a eleição de Kemmerich, ela assumiu sua responsabilidade.
Tabu
O escândalo de Turíngia quebrou um tabu na história política alemã do pós-guerra: a rejeição a qualquer tipo de colaboração com a extrema-direita pelos partidos tradicionais. O terremoto político que sucedeu a eleição forçou Kemmerich a renunciar, abrindo caminho para nova eleição no estado. Mas o estrago estava feito.
Ao renunciar à candidatura nas eleições previstas para o fim de 2021, AKK anunciou que também abandonará o comando do partido dentro de alguns meses. Ela manifestou a intenção de conservar o cargo de ministra da Defesa.
Annegret Kramp-Karrenbauer justificou as decisões por detectar uma disposição de setores do partido de colaborar com a AfD, conhecido por suas posições contra os migrantes e contra o que chama de elites. “Uma parte da CDU tem uma relação pouco clara com a AfD”, disse, em uma reunião interna.
De fato, analistas detectam que o partido de Merkel está dividido entre adversários e partidários de uma cooperação mais estreita com a AfD, sobretudo nos estados do leste, que pertenciam à Alemanha Oriental, e onde a extrema-direita é muito forte e complica a formação de maiorias regionais.
“Temo que o aconteceu na Turíngia ocorra em alguns anos a nível nacional”, declarou Wolfgang Bosbach, integrante da CDU, ao comentar a aliança entre direita moderada e radical.
Fragilidade
Iniciado em 2018, o último mandato de Merkel foi afetado por várias crises pela fragilidade de sua coalizão com os social-democratas ou as divisões dentro de seu próprio partido. “A questão de saber quanto tempo ainda permanecerá no posto dependerá de quem será nomeado presidente do partido (CDU) e candidato à chancelaria”, opinou o Süddeutsche Zeitung sobre a situação da chanceler.
Se, nos próximos meses, a CDU passar à liderança de um rival político forte, considera-se que será difícil para Merkel permanecer no cargo. E a chance de isso acontecer é grande. A saída anunciada de AKK deixa o campo aberto para o principal adversário político da chanceler. Friedrich Merz defende uma guinada à direita para recuperar parte dos eleitores que migraram para a AfD.
Merz perdeu por pequena margem a eleição para a Presidência do partido em dezembro de 2018. Recentemente, ele deixou seu controverso emprego em um fundo de investimentos e anunciou que estava disponível. Merz tem o apoio de grande parte da ala direita da CDU, em pé de guerra com o centrismo de Merkel que dominou o partido nos últimos anos. “Tenho a sensação de que não vai durar muito, em breve teremos eleições”, estimou o ex-ministro social-democrata Sigmar Gabriel.
“Nosso futuro está em jogo”
Peter Altmaier, ministro alemão da Economia
Os desafiantes
Com a renúncia de Annegret Kramp-Karrenbauer, a briga pela Chancelaria da Alemanha deverá ser exclusivamente masculina. Abaixo, os quatro políticos que se destacam, por enquanto.
Friedrich Merz
» O advogado, de 64 anos, é um antigo inimigo político da chanceler Angela Merkel, que o relegou na década de 1990. Derrotado por Annegret Kramp-Karrenbauer na disputa pela liderança do partido em 2018, Merz é a favor de uma guinada do partido à direita para recuperar os eleitores conservadores que passaram a votar no partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD). Se chegar à liderança da CDU, vai pressionar Merkel a deixar o poder de forma antecipada.
Armin Laschet
» O político, de 58 anos, governa a região da Renânia do Norte-Vestfália, onde fica a federação mais importante da CDU. Próximo de Merkel, Laschet mantém boas relações com os setores mais conservadores do partido na luta contra gangues criminosas. Também está em boa sintonia com o Partido Social Democrata (PSD), parceiro de Merkel no governo. “Armin Laschett deve lutar pela presidência, se ele não quiser ser um tigre de papel”, disse o vice-presidente do Parlamento, o social-democrata Thomas Oppermann.
Jens Spahn
» O jovem e ambicioso ministro da Saúde, de 39 anos, está na ala direita do partido e no campo anti-Merkel. Em 2015, quando a chanceler ainda era todo-poderosa, não hesitou em criticá-la por sua política migratória. Seu trabalho tem sido altamente elogiado. Porém a idade e a homossexualidade publicamente assumida podem, segundo analistas, custar-lhe votos em um partido muito conservador sobre questões ligadas a valores e comportamento.
Markus Söder
» Presidente por pouco mais de um ano da União Social Cristã (CSU), o partido da Baviera aliado à CDU, Markus Soder, 53 anos, faz parte dos candidatos à sucessão de Merkel em 2021. Defensor dos valores cristãos tradicionais, ele tentou nos últimos meses moderar sua imagem, insistindo na defesa do meio ambiente. Foi um dos primeiros líderes de peso a condenar categoricamente a eleição de um líder liberal na região da Turíngia (leste) com o apoio da CDU e da extrema-direita.