Teste inédito na
frente externa
O governo Bolsonaro começa o segundo ano diante de uma primeira prova — com impacto e visibilidade consideráveis — em águas por onde ainda não tinha navegado: o da atenção para com cidadãos emigrados em uma situação de emergência. Afora as questões de ordem sanitária propriamente dita, a epidemia do coronavírus colocou em pauta a necessidade de repatriar os brasileiros isolados na região de Wuhan. Uma operação que requer, além da logística de transporte, o recurso a um braço menos exercitado com menor frequência pela diplomacia brasileira.
Como é recorrente nesse tipo de crise, a súbita atenção despertada entre a opinião pública se volta prontamente para avaliar a rapidez com que as autoridades reagem. E, naturalmente, discute-se também a eficácia da ação, do ponto de vista da urgência vivida pelos cidadãos envolvidos. O rigor aplicado nesse exame varia segundo a proximidade de cada um com a situação: para o grupo que apelou para retornar ao país, cada hora a mais passada na China tem a duração potencializada, e o mesmo se aplica aos familiares.
Em meio aos preparativos para a operação, não faltou o comentário reservado de que o Brasil demorou mais tempo para buscar seus nacionais do que o governo chinês para construir o hospital de Wuhan. Lidar com as expectativas e cobranças da opinião pública é item do cardápio cotidiano de algumas áreas do poder público, mas frequenta com assuidade bem menor a mesa dos diplomatas.
Trump em dois tempos
As comparações também não faltam, e a emergência do coronavírus evocou a resposta dada pelo país em dois momentos de impasse relacionados à migração irregular para os Estados Unidos, ambos sob a política de “tolerância zero” adotada por Donald Trump. Em 2018, no governo Temer , o Itamaraty teve de mobilizar o pessoal da embaixada e dos consulados para localizar menores brasileiros separados dos pais em razão da decisão das autoridades americanas de imigração de deportar sumariamente os ilegais detidos na fronteira. Os filhos, por força da legislação local sobre crianças e adolescentes, foram encaminhados para centros de triagem, muitas vezes em condições precárias.
Algumas dezenas de brasileiros estiveram entre as centenas de menores latino-americanos atingidos pela medida do governo Trump, classificada então pelo MRE como “prática cruel e em clara dissonância com os instrumentos internacionais de proteção aos direitos da criança”.
No mês passado, o presidente Bolsonaro foi questionado por manifestar compreensão com a deportação sumária de cidadãos em condição irregular nos EUA, sem fazer reparo sequer ao fato de alguns deles terem sido embarcados com algemas.
Drama no deserto
Também na primeira metade do mandato inicial, o governo Lula se viu sob críticas, em janeiro de 2005, na reação ao sequestro do engenheiro João José Vasconcellos Junior, que traballhava para a construtora Odebrecht no Iraque, em meio ao caos provocado pela invasão americana, em 2003. Com a atuação no país comprometida pela situação de guerra civil sectária e sem capacidade de intervir diretamente, o Itamaraty recorreu à cooperação com governos árabes, aos quais o próprio presidente se dirigiu, valendo-se dos contatos estabelecidos em suas incursões pelo Oriente Médio. O caso, no entanto, se prolongou e a morte do refém só foi confirmada oficialmente em meados de 2006.
Não perde a piada
Na expectativa pela chegada dos repatriados de Wuhan, uma das discussões se deu em torno do regime da quarentena ao qual ficarão sujeitos por 18 dias na base aérea de Anápolis. Um dos temas foi a questão do acesso às redes sociais, uma vez que a Constituição impede que alguém seja mantido incomunicável. No caso, porém, entrou em pauta a preocupação com a segurança cibernética da instalação militar.
Mas, como brasileiro não perde a piada, menos ainda em contagem regressiva para o carnaval, houve quem não resistisse e provocasse: “Mas a internet também não propaga vírus?”