Além de uma comemoração pelo fim do que chamou de “terrível calvário”, o discurso proferido no início da tarde, no Salão Leste da Casa Branca, soou como jogada eleitoreira. Aliviado com a absolvição no julgamento político conduzido pelo Senado, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, centrou sua artilharia nos principais adversários nas eleições de 3 de novembro e tratou de desqualificar os democratas, responsáveis pela “caça às bruxas”. Disse que o processo de impeachment foi “algo ruim, corrupto” e comparou os oponentes a “policiais sujos”, “vazadores” (de denúncias) e “mentirosos”. “Isso nunca deveria ocorrer a outro presidente, jamais. (…) Não sei se outros presidentes seriam capazes de aceitar isso”, declarou.
Em determinado momento de seu discurso, depois de se gabar da alta das bolsas de valores do país, Trump afirmou que não estava ali para uma entrevista coletiva, mas para uma “celebração”. “Passamos pelo inferno injustamente. Não fiz nada errado. Fiz coisas erradas na minha vida, admito. Não de propósito, mas fiz coisas erradas. Mas este é o resultado final”, disse, ao exibir a capa da edição de ontem do jornal The Washington Post, que trazia a manchete “Trump absolvido”. “É a única boa manchete que já tive no Washington Post, afirmo a vocês”, brincou, antes de classificar como “guerreiros” os integrantes das equipes política e jurídica que o assessoraram no julgamento.
Foi então que o republicano começou a disparar sua metralhadora giratória em direção aos democratas. Acusou a ex-secretária de Estado Hillary Clinton e o Comitê Nacional do Partido Democrata de desembolsarem milhões de dólares por um dossiê falso. “Quero agradecer meu time de advogados. (…) Pat (Cipollone) e Jay (Sekulow). Vocês, caras, por favor, levantem-se! Grande trabalho”, disse, arrancando aplausos para a dupla.
Trump disse que um “político corrupto de nome Adam Schiff (presidente do Comitê de Inteligência da Câmara dos Deputados e promotor-chefe do julgamento) fabricou” o escândalo da conexão com a Ucrânia — a acusação de que o magnata teria pressionado o líder ucraniano Volodymyr Zelensky a investigar o democrata Joe Biden, que foi vice de Barack Obama. Também referiu-se aos democratas como “cruéis e maldosos”.
“Nancy Pelosi é uma pessoa horrível. Ela queria o impeachment há muito tempo”, lembrou. “São pessoas cruéis, mas fazem duas coisas: elas permanecem juntas, historicamente. Não estou falando de agora. Elas ficam unidas como se fossem uma cola.” O presidente também atacou o senador republicano Mitt Romney, a única defecção no partido governista durante a votação dos dois artigos de impeachment: “Você tem alguns que usaram a religião como muleta. (…) É um candidato a presidente fracassado.”
“Indigno”
Em outro trecho do pronunciamento, Trump afirmou que os democratas são “péssimos políticos” por defenderem fronteiras abertas e cidades-santuários (que protegem os imigrantes ilegais). No entanto, não faltaram elogios aos senadores republicanos, exceto para Romney. Em relação às suspeitas de que a Rússia interferiu nas eleições de 2016, ele admitiu trata-se de “besteira”. Para Bruce Ackerman, professor de direito da Universidade de Yale (em New Haven, Connecticut), foi um “discurso indigno” de um presidente. “Não vejo seu pronunciamento como uma manobra estratégica engenhosa, pois serve somente para alienar muitos eleitores comuns, que verão se os democratas selecionarão um candidato portador de uma mensagem mais unificadora”, explicou ao Correio. “Como tantas vezes envolvendo Trump, esses ataques intemperados representam explosões momentâneas de raiva centrada no ego, em vez de esforços sistemáticos para alcançar objetivos de curto ou longo prazo.”
Allan Lichtman, especialista em história política pela American University (em Washington), entende que os democratas devem seguir o manual utilizado pelo republicano George W. Bush na campanha presidencial de 2000 de restauração da integridade e da honestidade na Casa Branca. “Nenhum presidente impugnado, nem Richard Nixon, que renunciou para evitar o impeachment, viu o próprio partido vencer a próxima eleição presidencial, embora Trump seja o primeiro ‘impichado’ a disputar um segundo mandato”, lembrou à reportagem. “Os democratas deveriam implicar os senadores republicanos vulneráveis no encobrimento dos delitos de Trump e argumentar que não se pode confiar neles para cumprirem os seus deveres constitucionais como congressistas.”