O fiasco do caucus democrata (assembleia de eleitores) de Iowa — o primeiro compromisso eleitoral na corrida à Casa Branca — serviu de munição para o presidente Donald Trump. Com ar triunfante, o republicano proclamou, às 23h de ontem (hora de Brasília), o tradicional discurso do Estado da União ante as duas Câmaras do Congresso, a poucas horas de o Senado sacramentar sua absolvição, depois de rejeitar a convocação de testemunhas.O tema do pronunciamento anual foi “O grande retorno americano”, com foco na redução dos custos da saúde e na imigração. Ele também destacou o “otimismo implacável” experimentado pelos Estados Unidos nos últimos quatro anos. Uma das grandes surpresas foi a presença de Juan Guaidó, presidente autoproclamado da Venezuela, convidado pela Casa Branca.
Uma pesquisa divulgada pela manhã pelo instituto Gallup mostrou que Trump atingiu os melhores números de sua presidência, com taxa de aprovação de 49% e 50% de rejeição. “Minha taxa de aprovação no Partido Republicano é igual a 95%. Um recorde! Grande vitória em Iowa. Taxa de aprovação geral de 53%, uma nova alta. Com nossa grande economia e outros grandes sucessos, seriam 20 pontos percentuais a mais sem falsa caça às bruxas e os boatos?”, provocou o republicano em seu perfil no Twitter.
Mais cedo, o magnata não perdeu a chance de tripudiar sobre os erros que atrasaram a contagem dos votos por várias horas. “Nada funciona, como quando governam o país”, escreveu no Twitter, em alusão aos democratas, que conseguiram divulgar os primeiros resultados do caucus de Iowa quase 20 horas depois do previsto. Até o fechamento desta edição, com 62% dos votos apurados, Pete Buttigieg — ex-prefeito de South Bend (Indiana) e tenente da Marinha —, liderava a disputa com 26,9% (36.264 votos) seguindo pelo senador Bernie Sanders (25,1% ou 33.788) e pela senadora Elizabeth Warren (18,3% ou 24.618). A decepção ficava por conta do ex-vice-presidente Joe Biden, com 15,6% dos votos (ou 21.034). Ao todo, 41 delegados estão em jogo no estado.
“Não importa o que ocorra depois, isso é inegável. Esse fato representa uma assombrosa vitória para essa campanha, essa candidatura e essa visão, da qual todos vocês fazem parte”, afirmou Buttigieg, ao celebrar os resultados parciais como surpreendentes para um homossexual assumido, millenial e ex-administrador de uma pequena cidade.
Surpresa
Buttigieg, 38 anos, concentra a atenção em New Hampshire, estado que sediará primárias, na próxima terça-feira. “Uma campanha que começou há um ano com quatro integrantes, sem nome reconhecido, sem dinheiro, apenas uma grande ideia (….), tomou seu lugar na dianteira desta corrida para substituir o atual presidente por uma melhor visão para o futuro”, declarou durante evento em Laconia, em New Hampshire. Bernie Sanders discursou no mesmo estado, ontem à noite, e lamentou “problemas” na contagem dos votos. “Estou confiante de que, aqui, em New Hampshire, eu sei que serão capazes de contarem os votos na noite das eleições. E quando vocês contarem esses votos, estarei ansioso pela vitória em New Hampshire”, disse.
James Green, historiador político da Universidade Brown, em Rhode Island, culpa a incompetência do comitê local do Partido Democrata pelo caos na apuração em Iowa. “Eles tentaram implementar um novo aplicativo sem testá-lo. No entanto, isso pode surtir efeito positivo, com possível abandono do sistema de caucus, bastante desatualizado para direcionar as eleições primárias, ou mesmo a remoção de Iowa, um estado demograficamente não representativo, como a primeira primária dos Estados Unidos”, afirmou ao Correio.
Green acredita que a ambiguidade dos resultados no caucus de Iowa beneficiará todos os pré-candidatos democratas por motivos distintos. “Menos atenção será dada a Joe Biden, que provavelmente não foi tão bem no caucus. O problema deve ajudar Pete Buttigieg e Bernie Sanders, que teriam saído por cima. Mas ainda é muito prematuro para prever as implicações de Iowa na corrida eleitoral”, comentou o especialista.
“Estou confiante de que, aqui, em New Hampshire, serão capazes de
contarem os votos”
Bernie Sanders, senador democrata, durante discurso em New Hampshire
“Nada funciona, como quando (os democratas) governam o país”
Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, ao comentar falhas no caucus de Iowa
O aplicativo mal aplicado
De acordo com o Partido Democrata de Iowa (IDP, pela sigla em inglês), o atraso sem precedentes na apuração dos votos após o caucus ocorreu por conta de problemas no código de um aplicativo para celular usado para reportar os resultados. Os responsáveis pela parte técnica do caucus descartam invasão de hackers. O jornal The New York Times informou que o aplicativo foi desenvolvido pela Shadow Inc., uma pequena companhia fundada por veteranos da campanha presidencial de Hillary Clinton malsucedida, em 2016. “Nós sinceramente lamentamos o atraso na entrega dos resultados e a incerteza que isso causou”, afirmou a Shadow Inc., por meio de um tuíte, sem oferecer uma justificativa plausível para o problema.