No primeiro dia útil após o histórico divórcio do Reino Unido da União Europeia (UE), começaram a despontar os principais obstáculos da negociação sobre a futura relação entre Londres e Bruxelas no pós-Brexit, especialmente comercial. A pesca e a maneira de evitar uma concorrência desleal aparecem como os dois pontos principais de debates, depois que o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o negociador europeu para o Brexit, Michel Barnier, revelaram seus planos e limites para a futura negociação. As tratativas podem começar no próximo mês.
“Estamos dispostos a oferecer um acordo comercial muito ambicioso como pilar central dessa associação, que inclui tarifas zero”, afirmou Barnier em Bruxelas, reiterando a necessidade de acesso dos barcos pesqueiros às águas britânicas. O bloco europeu deseja evitar, ainda, o surgimento de uma economia desregulada a suas portas, com vantagens competitivas injustas, e propõe a criação de um “mecanismo” para manter os “altos níveis” das normas europeias nas áreas trabalhista, fiscal, ambiental, além dos subsídios estatais.
Em Londres, Boris Johnson enviou uma mensagem pacificadora para sanar os temores da UE. “Não faremos nenhuma concorrência desleal, nem comercial, nem econômica e nem ambiental”, declarou o chefe de Governo conservador, que se comprometeu a não reduzir as normas europeias. Ao mesmo tempo, ele rejeitou qualquer alinhamento às regras europeias como um preço a pagar pelo livre-comércio.
Os 27 países do bloco, porém, não encaram a questão dessa maneira e afirmam que “nada é grátis”, se Londres deseja ter acesso ao mercado único europeu — “o maior do mundo”, como recordou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que pediu regras do jogo “justas”.
Prazo curto
Diante de uma negociação que já se anuncia tensa, o prazo previsto para concluir as conversações não ajuda. As duas partes querem um acordo até o fim do ano, o que, na prática, significa oito meses para discussões que costumam demorar anos.
Nesse caso, porém, as negociações não começam do zero. De modo paralelo ao acordo de divórcio, formalizado na sexta-feira passada, Reino Unido e UE assinaram uma declaração política sobre a futura relação que estabelece o nível de ambição, mas que já se tornou objeto de divergência entre os dois lados.
A declaração vincula, por exemplo, os compromissos sobre uma concorrência leal à “profundidade das relações futuras” e estabelece 1º de julho como prazo máximo para ratificar um acordo de pesca, outro possível obstáculo na negociação. O negociador europeu considerou assim “indissociável” das discussões comerciais um acordo sobre o setor pesqueiro — oito países da UE são muito dependentes das águas britânicas.
Embora a pesca represente menos de 0,1% do PIB do Reino Unido, a questão pesou muito a favor do Brexit no referendo de 2016. Johnson já destacou que “retomar o controle” das águas é prioritário. Para analistas, a pesca pode constituir, de fato, uma moeda de troca nas negociações para o Reino Unido, que poderia buscar, como forma de compensação, o acesso ao continente para os serviços financeiros britânicos, cruciais para a City de Londres.