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Príncipe suspeito de hackear magnata

Relatores da ONU pedem a investigação de Mohamed bin Salman pela invasão ao celular de Jeff Bezos, dono da Amazon e do The Washington Post. O herdeiro da monarquia também é acusado de ordenar a execução do jornalista Jamal Khashoggi



Quinze meses depois da morte e do esquartejamento do jornalista e dissidente saudita Jamal Khashoggi, o príncipe herdeiro saudita Mohamed bin Salman (MBS) é considerado o principal suspeito de outro crime. Especialistas em direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) recomendaram a investigação de Bin Salman pela invasão ao celular iPhone X do magnata Jeff Bezos, presidente da Amazon e proprietário do The Washington Post, jornal para o qual Khashoggi trabalhava. As suspeitas são de que uma conta de WhatsApp pertencente a MBS enviou um spyware (programa espião) que possibilitou o monitoramento de Bezos.

“A informação que recebemos sugere o possível envolvimento do príncipe herdeiro na vigilância do Sr. Bezos, em um esforço para influenciar, senão silenciar, os relatos do Washington Post sobre a Arábia Saudita”, afirmou comunicado conjunto de Agnes Callamard, relatora especial da ONU sobre execuções sumárias e assassinatos extrajudiciais, e David Kaye, relator especial sobre liberdade de expressão. Segundo a nota, as acusações reforçam relatos sobre um padrão de vigilância de oponentes e de figuras consideradas estratégicas para as autoridades sauditas.

Fontes próximas ao príncipe herdeiro admitiram ao The Wall Street Journal que estavam cientes de um plano para invadir o celular de Bezos, mas não de tentativas de usar o crime como ferramenta de chantagem. A pirataria resultou na publicação de imagens íntimas de Bezos, o homem mais rico do mundo, dono de uma fortuna de US$ 115,5 bilhões (cerca de R$ 482,7 bilhões). “Os supostos hackers de Bezos e de outras pessoas devem sofrer uma investigação imediata pelas autoridades americanas”, defenderam Callamard e Kaye. O príncipe Faisan bin Farhan, ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, desqualificou as denúncias contra Bin Salman. “Absurdo é exatamente a palavra correta”, declarou, em vídeo divulgado pela chancelaria. “A ideia de que o príncipe herdeiro teria invadido o celular de Jeff Bezos é absolutamente ridícula.”

Em entrevista ao Correio, Ali Adubisi — diretor da Organização Europeia pelos Direitos Humanos na Arábia Saudita — disse não se surpreender com a nova denúncia contra Mohamed bin Salman. “Por um lado, o príncipe herdeiro é conhecido por seu comportamento descontrolado e pela imaturidade. Por outro, não é educado em direito criminal ou em leis de direitos humanos. Por isso, tal comportamento estúpido se mostra consistente com sua personalidade, caracterizada por não pensar nas consequências de seus atos”, disse o ativista.

Arquivo malicioso
Para Adubisi, Bin Salman pretendia usar a informações obtidas após a invasão do celular para chantagear o dono do The Washington Post. “Acredito que o príncipe queria encontrar um modo de impedir o jornal de publicar os artigos de Khashoggi, críticos à Arábia Saudita”, explicou. O ato de pirataria teria ocorrido em 1º de maio de 2018, quando Bezos recebeu um arquivo de vídeo em extensão MP4 criptografado da conta de WhatsApp usada por MBS. O conteúdo traria uma filmagem em árabe promovendo o mercado de telecomunicações saudita. Dentro do arquivo, segundo a ONU, estava um minúsculo pedaço de código malicioso que permitiu extrair do celular grandes quantidades de informação. Cinco meses depois, Khashoggi foi assassinado por supostas ordens do príncipe. Uma investigação preliminar encomendada pelo próprio Bezos concluiu que o iPhone X tinha sido afetado por ferramentas adquiridas por Saud Al Qahtani, o homem que dirigiu os programas de pirataria de Riad.

A jornalista turca Hatice Cengiz, noiva de Khashoggi, comentou o caso de pirataria se dirigindo a Bezos. “Então, você, Jeff Bezos, foi apunhalado pelas costas. Então, você deveria entender que é você quem está na liderança. A coisa mais baixa é quando sua amizade e confiança nos outros foram traídas”, escreveu em seu perfil no Twitter. Bezos e Bin Salman se conheceram pessoalmente em abril de 2018, um mês antes da invasão ao celular. “O ponto alto da calúnia é usar a amizade para espionar os outros”, acrescentou Cengiz.




Eu acho...

“Mohamed bin Salman é um inimigo da liberdade de expressão. Ele não quer que ninguém fale sobre as condições econômicas ou os direitos humanos na Arábia Saudita, e tem feito um grande esforço para suprimir a sociedade civil no país. Podemos entender que os artigos que Jamal Khashoggi escrevia para o The Washingon Post o deixaram louco.”

Ali Adubisi, diretor da Organização Europeia pelos Direitos Humanos
na Arábia Saudita




TUITADAS

“Então, você, Jeff Bezos, foi apunhalado pelas costas. Então, você deveria entender que é você quem está na liderança. A coisa mais baixa é quando sua amizade e confiança nos outros foram traídas.”
Hatice Cengiz, noiva do jornalista Jamal Khashoggi, morto e esquartejado no consulado da Arábia Saudita em Istambul, em 2 de outubro de 2018


“Os relatos da mídia que sugerem que o Reino (Saudita) está por trás de uma invasão ao telefone do senhor Bezos são absurdos. Nós apelamos por uma investigação sobre essas alegações para que tenhamos todos os fatos esclarecidos.”
Embaixada da Arábia Saudita nos Estados Unidos




Contatos perigosos
A aproximação entre Bezos e o príncipe Salman e a polêmica da invasão de privacidade

Junho de 2017
O jornalista e dissidente saudita Jamal Khashoggi foge de Riad e se exila nos Estados Unidos.

Setembro de 2017
Khashoggi começa a escrever para o jornal The Washington Post e faz críticas às políticas do príncipe herdeiro Mohammed bin
Salman (MBS).

Abril de 2018
Jeff Bezos, dono do Washington Post e da Amazon, participa de um jantar com o príncipe MBS. Ambos trocam os números telefônicos.

1º de maio de 2018
Bezos recebe um arquivo de vídeo em MP4 criptografado supostamente enviado a partir
da conta pessoal de WhatsApp de Mohammed bin Salman. Os dados de Bezos vazam.

2 de outubro de 2018
Jamal Khashoggi é assassinado com requintes de crueldade dentro do consulado da Arábia Saudita em Istambul.

Novembro de 2018 – Fevereiro de 2019
O príncipe Mohammed bin Salman envia a Bezos mensagens de WhatsApp revelando informações privadas e confidenciais sobre a vida pessoal do empresário.

Janeiro de 2019
O tabloide americano National Enquirer expõe um suposto caso extraconjugal de Besos com a âncora de notícias e atriz Lauren Sánchez.

Fevereiro de 2019
Bezos acusa a National Enquirer de “extorsão e chantagem”. Os editores da publicação asseguram ter agido legalmente.

Janeiro de 2010
Especialistas da ONU defendem a abertura de inquérito sobre o envolvimento do príncipe na invasão aos dados de Bezos.