Cientistas estão intrigados com um novo coronavírus que infectou ao menos 258 pessoas na China e já extrapola as fronteiras do continente asiático — ontem, os Estados Unidos registraram o primeiro caso perto de Seattle. Segundo eles, há o risco de um problema que começou em Wuhan, uma cidade no centro da China, ganhar proporções globais. Atentos a isso, integrantes da Organização Mundial da Saúde (OMS) se reunirão hoje, em Genebra, para decidir se classificam o surto como uma emergência de saúde pública de alcance internacional. Em geral, esse alerta é deflagrado em caso de epidemias muito graves, como a do zika, em 2016.
O vírus misterioso, conhecido temporariamente como 2019-nCoV, é da mesma família da cepa responsável pela síndrome respiratória aguda severa (Sars) — doença que, entre 2002 e 2003, matou 349 pessoas na China continental e 299 em Hong Kong. Oitenta por cento da sua genética é igual à do patógeno que preocupou os asiáticos há quase 20 anos. Porém, os sintomas da infecção são mais leves, o que leva especialistas a acreditarem que ela não deva ser tão fatal quanto a Sars — até agora, foram confirmados seis óbitos.
Mas como se trata de um vírus, essas características não são permanentes, alerta Arnaud Fontanet, chefe do Departamento de Epidemiologia do Instituto Pasteur em Paris. “Não temos evidências para dizer que esse vírus sofrerá mutação, mas foi o que aconteceu com a Sars. O vírus circula há pouco tempo. Então, é muito cedo para dizer”, contextualiza. De acordo com o especialista, a nova cepa é o sétimo tipo conhecido de coronavírus que os humanos podem contrair. “Acreditamos que a fonte pode ter sido animais vendidos no mercado de peixes da cidade de Wuhan e, de lá, passou para a população humana”, disse.
Para Fontanet, o fato de suspeitas e casos confirmados terem sido registrados fora da China, “nos faz temer que a transmissão entre humanos é provável”. Ontem, Zhong Nanshan, um dos principais cientistas da Comissão Nacional de Saúde chinesa, afirmou que esse tinha de disseminação já está ocorrendo. Zhong ajudou a avaliar a magnitude da epidemia de Sars em 2002-2003. Desta vez, ele também alertou quanto à grande similaridade genética entre os dois vírus.
Médica do King’s College London, Nathalie MacDermott explica que, no caso de transmissão entre humanos, o vírus misterioso pode ser passado pelas vias aéreas, quando a pessoa infectada tosse ou espirra. A OMS recomenda que as pessoas se protejam do micro-organismo lavando bem as mãos, tapando o nariz quando espirram, cozinhando bem a carne e os ovos e evitando o contato próximo com animais selvagens ou de criação.
Controle sanitário
Há ainda a suspeita de que a quantidade de casos seja maior do que registrado. Em um artigo publicado, na sexta-feira, cientistas do Centro MRC de Análise Global de Doenças Infecciosas do Imperial College de Londres alertaram que o número provavelmente chegue a 1.700, bem acima dos dados oficiais do governo chinês — há 922 e observação. De acordo com um grupo de médicos da Universidade de Hong Kong, teriam ocorrido 1.343 casos em Wuhan, número similar à projeção feito pela equipe londrina.
A ocorrência do surto coincide com o Ano Novo Lunar chinês, época em que centenas de milhões de pessoas viajam para passar o feriado em família. Para especialistas, as autoridades devem estar vigilantes e monitorar as pessoas que viajam de, ou para, Wuhan a fim de detectar sinais de problemas respiratórios.
Vários países da região reforçaram ontem os serviços de controle sanitário. De Bangcoc a Hong Kong, passando por Singapura e Sydney, as autoridades estabeleceram controles sistemáticos nas chegadas de voos procedentes das zonas de risco. Japão, Coreia do Sul, Taiwan e Tailândia já relataram casos da doença.
Ontem, a rede de TV australiana ABC informou que um homem que viajou recentemente para a China estava isolado em sua residência, na cidade de Brisbane, com sintomas da doença, enquanto aguardava resultados de testes. As autoridades de Saúde das Filipinas também esperam os exames feitos em um menino de 5 anos que chegou ao país procedente de Wuhan.
O estadunidense infectado é homem de 30 anos, que foi hospitalizado em Everett, perto de Seattle. O paciente, cuja identidade não foi revelada, não visitou nenhum dos mercados de Wuhan, mas viajou para essa região, segundo Nancy Messonnier, diretora do Departamento de Doenças Respiratórias dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). O homem desembarcou em Seattle, no último dia 15. Não tinha sintomas ao chegar, mas entrou em contato com os serviços de saúde no domingo, após o aparecimento dos primeiros sintomas. Os Estados Unidos reforçaram os controles, na sexta-feira, em três de seus grandes aeroportos (Nova York JFK, San Francisco e Los Angeles) e devem estender a medida para Chicago e Atlanta.
1.700
Quantidade de casos estimados por pesquisadores do Centro MRC de Análise Global de Doenças Infecciosas do Imperial College de Londres. Por enquanto, o governo chinês contabiliza pouco mais de 250
O que se sabe
Cepa misteriosa
Temporariamente chamado de 2019-nCoV, o vírus pertence a uma cepa desconhecida de coronavírus, uma família de micro-organismos que causa desde resfriados comuns até a síndrome respiratória aguda severa (Sars). Estima-se que o novo patógeno seja 80% geneticamente idêntico aos Sars, que, entre 2002 e 2003, matou 349 pessoas na China continental e 299 em Hong Kong.
Contágio entre humanos
Acredita-se que a fonte primária do surto seja de origem animal — autoridades de Wuhan, na China, indicaram que o centro da epidemia está em um mercado de peixe da cidade. O governo chinês, porém, alerta que o vírus é transmitido diretamente entre humanos, sem haver a necessidade de contato com a área epidêmica. De acordo com Nathalie MacDermott, médica do King’s College London, nesse caso, o 2019-nCoV poder ser transmitido por via área quando a pessoa infectada tosse ou espirra.
Mais leve que a Sars
Os sintomas causados pelo novo vírus parecem ser menos agressivos que os da Sars. De acordo com Zhong Nanshan, um dos principais cientistas da Comissão Nacional de Saúde da China, o impacto no pulmão das pessoas infectadas “é leve”. Ainda assim, especialistas alertam que é necessário estar atento ao problema. Isso porque, como o vírus tem impactos mais brandos, pessoas infectadas podem continuar se movimentando e lidando com grandes públicos sem perceber a presença da doença, o que potencializa a disseminação do patógeno.
Quarentena
O governo chinês classificou o surto do vírus da mesma forma que o da Sars. Dessa forma, os infectados têm que seguir uma quarentena obrigatória e podem sofrer possíveis restrições de viagem.
Alerta internacional
Hoje, a Organização Mundial da Saúde (OMS) fará uma reunião para decidir se o surto deve ser considerado uma “emergência de saúde pública internacional”. O órgão utilizou essa denominação poucas vezes, como no caso do vírus H1N1 (2009), na epidemia do vírus ebola (2014-2016) e do vírus da zika (2016).
“Não temos evidências para dizer que esse vírus sofrerá mutação, mas foi o que aconteceu com a Sars”
Arnaud Fontanet, chefe do Departamento de Epidemiologia do Instituto Pasteur em Paris