Correio Braziliense
postado em 09/01/2020 04:16
A doença começa a aparecer entre os 45 e os 65 anos. O comportamento vai mudando, a pessoa apresenta dificuldades com linguagem, os músculos podem definhar. O declínio físico e cognitivo é rápido, e o paciente morre em menos de 10 anos. Trata-se da demência frontotemporal (DFT), uma grave enfermidade degenerativa hereditária que afeta a personalidade, a tomada de decisões, as habilidades comunicativas e motoras e para a qual não existe tratamento. Contudo, um estudo do Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia em San Francisco (UCSF) mostrou que é possível adiar os sintomas desse que é o tipo de demência mais comum entre pessoas com menos de 65 anos e representa de 5% a 15% dos casos no geral.Os pesquisadores constataram que um estilo de vida físico e mentalmente ativo confere resiliência à DFT, mesmo em pessoas cujo perfil genético torna inevitável o desenvolvimento da doença. O trabalho alinha-se a descobertas já bem estabelecidas de que o exercício e a aptidão cognitiva são umas das melhores maneiras de prevenir ou retardar a doença de Alzheimer. Porém, esse é o primeiro estudo a mostrar que os mesmos comportamentos podem beneficiar pessoas com a demência frontotemporal, causada por um forma distinta de degeneração cerebral.
“Essa é uma doença devastadora e sem tratamentos médicos eficazes. Mas nossos resultados sugerem que mesmo as pessoas com predisposição genética para DFT ainda podem adotar hábitos que aumentem suas chances de viver uma vida longa e produtiva”, diz Kaitlin Casaletto, professora-assistente de neurologia no Centro de Memória e Envelhecimento da UCSF e autora correspondente do estudo, publicado na revista Alzheimer e Demência. “O destino dessas pessoas pode não estar definido”, completa.
Cerca de 40% das pessoas com DFT têm histórico familiar da doença. Em metade desses casos, existem mutações genéticas dominantes específicas. Porém, mesmo nesses indivíduos, a demência pode ter cursos e gravidade muito diferentes. “Existe uma variabilidade incrível na DFT, até entre pessoas com as mesmas mutações genéticas que causam a enfermidade. Algumas são mais resistentes que outras por razões que ainda não entendemos”, diz Casaletto. “Nossa hipótese era a de que as atividades que as pessoas realizam a cada dia de sua vida podem contribuir para as diferentes trajetórias que vemos na clínica, inclusive quando a DFT se desenvolve e como progride.”
Para testar essa hipótese, a equipe estudou como as diferenças no estilo de vida afetaram a progressão da DFT em 105 pessoas com mutações genéticas dominantes causadoras da doença. Na maioria dos casos, elas eram assintomáticas ou apresentavam apenas sintomas leves em estágio inicial. Os participantes foram extraídos de dois grandes estudos liderados pelos coautores Adam Boxer e Howie Rosen, também da Universidade da Califórnia em San Francisco. Como parte dessas pesquisas maiores, todos os voluntários foram submetidos a exames de ressonância magnética para medir a extensão da degeneração cerebral causada pela doença. Também concluíram testes cognitivos e relataram os níveis atuais de atividade mental e física em suas vidas diárias — por exemplo, lendo, passando tempo com os amigos e correndo.
Efeito significativo
Ao mesmo tempo, os familiares realizavam avaliações regulares de quão bem os participantes estavam desempenhando tarefas do cotidiano, como gerenciar finanças, tomar corretamente os medicamentos, banhar-se etc. Todas essas medidas foram coletadas em visitas anuais de acompanhamento para verificar a progressão a longo prazo da demência.
Mesmo depois de apenas duas a três visitas (um a dois anos no estudo em andamento), Casaletto e a equipe começaram a ver diferenças significativas na velocidade e na gravidade da DFT entre os indivíduos mais e menos ativos mental e fisicamente. Especificamente, os pesquisadores descobriram que o declínio funcional, avaliado pelos familiares dos participantes, era 55% mais lento nos 25% mais ativos, em comparação aos 25% menos ativos. “Foi um efeito notável. Se se tratasse de um medicamento, estaríamos dando a todos os nossos pacientes depois desses resultados”, afirma a cientista.
O estilo de vida dos participantes não alterou significativamente a inevitável degeneração do tecido cerebral associada à DFT, o que se comprovou por meio de exames de ressonância magnética feitos anualmente. Mas, mesmo entre as pessoas cujas varreduras cerebrais revelaram sinais de atrofia, as mais ativas mental e fisicamente continuaram a ter o dobro do desempenho das menos empenhadas. Esses resultados sugerem que estilos de vida ativos podem retardar os sintomas da DFT, fornecendo alguma forma de resiliência cognitiva às consequências da degeneração cerebral.
Novos estudos
O próximo passo da pesquisa é fazer avaliações mais detalhadas e objetivas da atividade física e mental dos participantes, inclusive por meio de sensores de movimento vestíveis, para começar a estimar exatamente quanta atividade é necessária para promover a resiliência cognitiva. Casaletto alerta que os resultados, embora importantes estatisticamente, até agora relatam apenas uma correlação. “É possível que alguns participantes tenham estilos de vida menos ativos, porque eles têm uma forma mais severa ou agressiva de DFT, o que já está afetando sua capacidade de ser ativo”, observa.
Ainda assim, ela espera que os resultados não apenas incentivem as pessoas com histórico familiar de DFT a adotar mudanças no estilo de vida, como ajudem a compreender melhor os mecanismos biológicos da resiliência em pessoas com DFT. “Podemos ver que as diferenças de estilo de vida afetam a resiliência das pessoas à DFT, mesmo com forte risco genético. Então, agora, podemos começar a fazer perguntas mais fundamentais: como esses comportamentos realmente afetam a biologia do cérebro para conferir essa resiliência? Esse efeito biológico é algo que podemos replicar farmacologicamente para ajudar a retardar a progressão dessa terrível doença?”, exemplifica.
“Nossos resultados sugerem que mesmo as pessoas com predisposição genética para DFT ainda podem adotar hábitos que aumentem suas chances de viver uma vida longa e produtiva”
Kaitlin Casaletto, professora-assistente de neurologia da Universidade da Califórnia em San Francisco e autora correspondente do estudo
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