Mundo

Sam Mendes é a surpresa da festa

Com 1917, britânico leva os prêmios de melhor direção e melhor filme de drama. Era uma vez em... Hollywood fica com três estatuetas. Joaquin Phoenix confirma o favoritismo e deixa a cerimônia como o melhor ator pelo papel título de Coringa

 

 

 

 

 

 

Relativizar o potencial e o alcance tanto do cinema quanto da televisão, nos dias dominados pelo streaming da gigante Netflix, foi a missão inicial para o apresentador da 77ª cerimônia dos prêmios Globo de Ouro, o comediante britânico Ricky Gervais. Coube, entretanto, ao protagonista da maior surpresa da noite, o vencedor de melhor direção de longa Sam Mendes (à frente do filme que trata da Primeira Guerra 1917) recolocar coroa e cetro no cinema tradicional. No discurso como melhor diretor, ele sintetizou: “Não há nenhum diretor no mundo que não tenha se apoiado nos ombros de Martin Scorsese (diretor de Taxi driver e O irlandês, além de uma das autoridades máximas nas pesquisas de filmes).

 

Quando veio a segunda maior surpresa: o longa 1917 ter sido dado como o melhor produção, novamente, Mendes marcou posição: “Quero que o público veja o filme na tela grande — esse foi nosso desejo”. Poder de voto, a responsabilidade de eleger políticos, feminismo e cuidados com o ecossistema deram o tom da maioria dos discursos da noite que representou os eleitos da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood.

 

Única concorrente feminina na categoria de melhor trilha sonora, Hildur Gudnadóttir trouxe para o blockbuster Coringa um dos troféus da noite. Ela se disse motivada pela interpretação fenomenal de Joaquin Phoenix, à frente do longa. Phoenix, na sexta indicação ao prêmio, faturou como melhor ator, com esforços como o de perder 23 quilos para o papel do sofredor Arthur Fleck. O ator de Johnny e June engrossou o coro ao espírito de união levantado por muitos dos discursos. “Muitos enviaram apenas desejos positivos (no palco). Nem sempre fui virtuoso, mas vejo que é o tempo de nos unirmos, para trazer mudança”, incitou, ao demarcar terreno para as futuras eleições de 2020.

 

O prêmio de melhor atriz em drama foi para Renée Zellweger, que encarnou a diva das telas e dos palcos Judy Garland, em Judy — Muito além do arco-íris. Pela terceira vez, desde a vitória com o roteiro do longa Pulp Fiction, em 1995, Quentin Tarantino levou novamente o troféu, desta vez por Era uma vez em... Hollywood. O autor de Django livre (2013) enfatizou que o elenco acrescentou muitas camadas a seu texto, numa obra valorizada como a melhor comédia em longas e que rendeu ainda prêmio para a performance do coadjuvante Brad Pitt. Tarantino foi exaltado por Pitt como “o cara, o mito, a lenda”. Já o colega de cena (e que, novamente, perdeu prêmio) Leonardo DiCaprio suscitou o trocadilho infame do agradecimento de Pitt a LDC (as iniciais do ator), “um astro e cavalheiro”, nas palavras de Pitt.


Menção às queimadas

 

Descolado de qualquer discurso cômico, coube a Russell Crowe, vencedor como ator de minissérie (por The loudest voice) dar o recado ecológico, ao mandar uma mensagem em que enfatizou o alarmante estágio das queimadas na Austrália, de onde se pronunciou. A tragédia que transcorre naquele país ecoou em muitos dos discursos da 77ª edição do Globo de Ouro.

 

O retrato de Crowe de um magnata da tevê, envolvido em caso de assédio sexual, foi valorizado pelos votantes do Globo de Ouro, às vésperas do julgamento de Harvey Weinstein. Jared Harris (Chernobyl) era, entretanto, o favorito. Outro momento que trouxe surpresa foi a vitória do ator cômico de Ramy, Ramy Yousseff (de ascendência egípcia), que se destaca numa história de stand-up, em meio ao exame das tradições muçulmanas. O concorrente Bill Hader (de Barry), inesperadamente, perdeu o troféu. Os efeitos de catástrofe de agressão à natureza retratados na série Chernobyl trouxeram prêmio para a produção HBO no segmento de minissérie.

 

Quem encantou com um discurso a favor do poder de escolha das mulheres, especialmente por meio das futuras votações nos EUA, foi a atriz Michelle Williams (ganhadora pela minissérie Fosse/Verdon). Como esperado, entre as séries de tevê, Succession despontou como a melhor, ao revelar os bastidores da sucessão de herdeiros de um império de notícias globais. Capitaneando o elenco e força-motriz para o enredo, o personagem do veterano Brian Cox Logan Roy deu razão para seu prêmio, o primeiro Globo de Ouro em mais de 60 anos de carreira. Ele se disse chocado no mesmo caso do representante da equipe da animação Link perdido — que desbancou títulos como Toy Story 4 e Frozen 2 —, vencedora como melhor longa-metragem.

 

O discurso de contorno mais politizado foi o da coadjuvante em minissérie ou filme de tevê Patricia Arquette, elogiadíssima em The act, baseado em crime da vida real revelado em 2015, e que expunha uma mãe dona de relação patológica junto à filha. “Nos livros de história, o 5 de janeiro de 2020 virá a ser apresentado como um dia em que os Estados Unidos estavam a ponto de ir para a guerra, e no qual o presidente investia em tuítes a respeito de bombas. Veremos pessoas jovens arriscando suas vidas, e ainda poderemos lembrar os incêndios tomando conta da Austrália. Temos que lutar por um mundo melhor para todos. Mais adiante, temos que votar novamente: temos que chamar todos que conhecemos a votarem também”.

 

Desbancando figuras como Taylor Swift, Beyoncé e Andrew Lloyd Webber, nomes alinhados na disputa pela melhor música original, Elton John e Bernie Taupin (colaboradores eternos no filão das criações musicais) venceram na categoria com I´m gonna love me again  (de Rocketman). “Não é só uma canção; fala da nossa relação: um casamento (profissional) de 52 anos”, demarcou Bernie Taupin. O ator Taron Egerton, na primeira indicação ao prêmio, levou pela caracterização de Elton John (em Rocketman).

 

A figura de mulheres poderosas foi reverenciada em ao menos dois prêmios: um deles, o de melhor atriz de série dramática atribuído a Olivia Colman (por The Crown), em que, a exemplo do feito em A favorita, interpretou mais uma rainha: Elizabeth II. Já expoente no elenco do longa História de um casamento, a coadjuvante Laura Dern exaltou o diretor do filme Noah Baumbach: “Ele deu voz aos sem-voz. E eu fiz isso mesmo: uma homenagem à figura de uma advogada de divórcio”, brincou, para, em seguida, saudar a mensagem de união do filme.

 

Surpresas

 

Outro desbancado na festa foi Andrew Scott, o padre gato de Fleabag, responsável por tensão sexual da série. Quem faturou o prêmio de melhor coadjuvante em série foi Stellan Skasrsgard, que interpreta representante do governo soviético, em meio ao desastre de Chernobyl. O veterano ator de Mamma Mia! brincou com um episódio em que se deu conta de suas limitações cênicas, pela sua falta de sobrancelhas. Outra tragédia, a do luto mas tratado sem o peso esperado, e que abate a personagem de Phoebe Waller-Bridge, em Fleabag, rendeu o Globo de Ouro de melhor atriz de comédia. A escalada da confusa solitária britânica que investe em desejos sexuais para superar o luto emplacou ainda premiação de Fleabag como melhor série de tevê.

 

Talvez um dos prêmios mais previsíveis, o prêmio de melhor filme estrangeiro ficou para Parasita (de Bong Joon Ho). O diretor sul-coreano Ho enfatizou no palco: “Quando a gente supera a barreira das legendas, descobrimos filmes incríveis. Falamos uma única língua: o cinema”. A despedida, com muito apoio de talentos chineses, trouxe para a atriz Awkwafina (revelada em fitas como Podres de rico) o troféu de melhor performance em comédia ou musical. No palco, ela agradeceu à avó, “melhor amiga” e a mulher que a criou.

 

Saída do filão do entretenimento e da difusão de informações, a apresentadora Ellen DeGenneres que recebeu o prêmio honorário Carol Burnett, brincou na ocasião, dizendo que, estando premiada no palco, “não precisaria fingir interesse nas falas dos outros”. Como profissional, ela destacou o emblema que leva à frente, anos a fio, na tevê: “Quero que (os espectadores) fiquem bem e sorriam”. Seguindo a mesma linha da colega, outro homenageado foi Tom Hanks, que agraciado com o importante troféu Cecil B. DeMille.