Ex-presidente da aliança Renault-Nissan, o brasileiro Carlos Ghosn fugiu da prisão domiciliar no Japão em uma jornada digna de um filme de ação: viajou para o Líbano na noite do último domingo em um jato particular, com escala na Turquia.
Apesar de ter sido uma trama real, Ghosn poderia de fato estar inspirado por histórias hollywoodianas — segundo o jornal The New York Times, o executivo encontrou-se em dezembro em Tóquio com o produtor de Hollywood John Lesher, que esteve por trás de filmes como "Birdman", vencedor do Oscar em 2014.
De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, Ghosn contou a Lesher seu caso, uma trama que, para o executivo, é composta por uma prisão injusta e tem como vilã a justiça japonesa. A ideia de rodar a história era tornar o brasileiro, através do filme, mais simpático ao sistema japonês. Além de Lesher, Ghosn também conversou, antes de fugir, com Jake Adelstein, um jornalista americano que cobre o sistema judicial japonês, e procurou Takafumi Horie, um empresário que foi condenado por violar leis do mercado financeiro.
Em nota divulgada, na quinta-feira (2/1), em segunda declaração após a fuga, Ghosn afirmou ter organizado sua fuga sozinho. "As alegações da mídia de que minha esposa, Carole, e outros membros da minha família tiveram um papel importante na minha partida são falsas. Eu fui o único que organizou minha partida."
A saga de Ghosn com a Justiça japonesa começou em novembro de 2018, quando ele foi preso pela polícia, acusado de ocultar parte de seu patrimônio. O executivo ficou meses na prisão até conseguir, em um acordo de US$ 14 milhões (cerca de R$ 56 milhões), migrar para a prisão domiciliar. Apesar de as acusações da promotoria japonesa terem sido feitas 13 meses atrás, ainda não havia perspectiva de um julgamento em Tóquio.
A fuga ainda é cercada de dúvidas. Segundo notícias divulgadas até agora, Carlos Ghosn teria utilizado um passaporte francês que tinha para usar no dia a dia - pois seus demais documentos haviam sido confiscados pela Justiça japonesa - para organizar a escapada. Usando um jato particular, fez escala na Turquia antes de seguir rumo a Beirute. O executivo, que tem cidadania brasileira, libanesa e francesa, recebeu várias manifestações de apoio do governo libanês ao longo do ano passado.
Interpol
Na manhã desta quinta-feira, o Líbano recebeu um pedido de prisão da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) contra Ghosn. Em entrevista, o ministro da Justiça libanês, Albert Serhan, disse que o governo vai "cumprir suas obrigações", sugerindo que Ghosn poderá ser questionado. Mas reforçou que o Líbano e o Japão não têm acordo de extradição. Por isso, disse, está fora de questão a possibilidade de que o país vá entregar o ex-todo-poderoso da Nissan às autoridades japonesas.
Serhan disse ainda que poderá examinar as acusações contra Ghosn, em respeito às autoridades japonesas. De acordo com ele, uma decisão sobre a abertura de um processo caberá à Justiça libanesa. Um julgamento - e uma possível absolvição - no Líbano seria, de acordo com fontes ligadas ao caso Renault-Nissan, uma das chances para o executivo tentar limpar seu nome.
Conexão na Turquia
Também nesta quinta a polícia turca afirmou ter prendido sete pessoas que estariam envolvidas na passagem de Ghosn por Istambul: quatro pilotos, dois trabalhadores de solo de um aeroporto e um funcionário de uma empresa de transporte de carga Eles deverão fazer declarações perante um tribunal para esclarecer o caso.
O site de notícias Hurriyet, citando uma autoridade do Ministério do Interior da Turquia, informou que a polícia de fronteira turca não foi notificada sobre a chegada de Ghosn e que nem sua entrada nem sua saída foram registradas. Segundo o site, o avião que levou Ghosn chegou às 5h30 da manhã de segunda-feira ao aeroporto de Ataturk, em Istambul, e os promotores ordenaram as prisões depois de ampliarem as investigações.
Dados de rastreamento de voo sugerem que Ghosn usou dois aviões diferentes para voar para Istambul e depois para o Líbano. (Com agências internacionais).