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Vergonha profunda

Em sua primeira visita ao campo de extermínio de Auschwitz, a chanceler Angela Merkel afirma que a memória dos crimes nazistas é inseparável da identidade alemã e adverte contra o aumento do antissemitismo em seu país

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Assim que a chanceler alemã, Angela Merkel, atravessou o portal com a inscrição ;Arbeit macht frei; (;O trabalho liberta;), às 9h de ontem (5h em Brasília), reafirmou a culpa da Alemanha nazista pelo genocídio de 1,1 milhão de judeus e fez questão de jamais negar o passado. Pelo contrário, destacou a necessidade de manter vivas as memórias do Holocausto. Em sua primeira visita na condição de chefe de governo, ela ingressou no campo de extermínio de Auschwitz-Birkenau (Polônia) acompanhada do primeiro-ministro polonês, Mateusz Morawiecki; do diretor do Museu Estadual de Auschwitz-Birkenau, Piotr Cywinski; do sobrevivente Stanislaw Bartnikowski, 87 anos; e de representantes da comunidade judaica.

Merkel disse sentir ;vergonha profunda; pelos ;crimes bárbaros; cometidos pelos alemães. Demonstrou respeito diante de ex-prisioneiros que escaparam da morte. ;Eu inclino minha cabeça diante das vítimas do Shoah;, declarou, ao citar o termo usado pelos judeus em referência ao Holocausto. ;Recordar os crimes, nomear seus autores e prestar uma homenagem digna às vítimas é uma responsabilidade que nunca pode parar. Não é negociável. E é inseparável de nosso país;, acrescentou. A presença da chanceler também teve o simbolismo de alertar contra a ascensão do antissemitismo na Alemanha. ;Hoje, nós experimentamos um racismo preocupante, uma intolerância crescente e uma onda de crimes de ódio;, lembrou. ;Estamos enfrentando um ataque aos valores fundamentais da democracia e um perigoso revisionismo da história, o qual é usado como propósito de hostilidade contra certos grupos.;



Sem palavras

Em vários momentos, a primeira líder alemã a visitar Auschwitz desde 1995 se emocionou. Merkel ficou com a voz embargada e admitiu que não tinha palavras para expressar o seu pesar. ;Quando se visita este lugar, apenas se pode guardar um respeitoso silêncio. Porque não existem palavras para descrever toda a tristeza e o sofrimento daqueles que foram assassinados, torturados e humilhados aqui;, afirmou. ;Nunca devemos nos esquecer, e tampouco relativizar. O que ocorreu aqui não se pode entender com senso comum.;

No chamado ;muro da morte;, onde prisioneiros foram fuzilados pelos soldados nazistas, ela depositou uma coroa de flores com uma faixa nas cores preta, vermelha e amarela, da bandeira nacional. Discursou em uma sala cujas paredes estavam cobertas de fotografias dos mortos, a chamada ;Sauna;. Apesar da vergonha, Merkel ressaltou a importância de associar Auschwitz à Alemanha. ;Auschwitz foi um campo de extermínio alemão, operado por alemães. É importante para mim destacar este fato. É importante nomear claramente os criminosos: somos nós, alemães, e devemos isso às vítimas e a nós mesmos.; O campo ficava em uma região ;anexada em outubro de 1939 pelo Reich (o governo de Adolf Hitler); e ;administrada pelos alemães;.

Eva Haller, presidente da Academia Europeia Janusz Korczak na Alemanha (uma instituição educacional judia sediada em Berlim), afirmou ao Correio que a Europa enfrenta hoje ;um tempo de ressurreição do antissemitismo em suas formas mais virulentas e agressivas;. ;Especialmente na Alemanha, existe uma conexão pesada com a história do Shoah. Nós encontramos a mistura de um antissemitismo dos movimentos de extrema direita nazistas, da esquerda, e, desde 2015, o influxo de muçulmanos antissemitas;, explicou. ;O antissemitismo jamais desapareceu na sociedade alemã. Estava escondido e dormente. Por muitos anos, nenhum judeu era atacado diretamente. Hoje, em certas áreas, não é recomendável usar o quipá em público;, acrescentou, ao citar a boina usada pelos seguidores do judaísmo.

Para Günther Jikeli, professor de estudos judaicos e alemães da Universidade de Indiana (Estados Unidos), a visita de Merkel a Auschwitz representa um sinal enviado pela chanceler contra o aumento do antissemitismo na Alemanha. ;A pequena comunidade judaica alemã, entre 100 mil e 200 mil pessoas de um total de 83 milhões, tem estado sob ataque por muitos anos, e os atentados físicos se tornaram mais frequentes e brutais;, disse à reportagem. Em 9 de outubro passado, um homem matou dois judeus ao tentar invadir a sinagoga da cidade de Halle (centro-norte), no feriado judaico de Yom Kippur (;Dia do Perdão;). ;O terrorista acreditava que os judeus estavam por trás de tudo. Embora a maioria das pessoas não atenda a essa crença, pesquisas mostram que 24% da população alemã agora crê que ;os judeus têm muito poder nos mercados financeiros internacionais;. E 41% cacham que os judeus falam muito sobre o Holocausto;, afirmou Jikeli.


Pontos de vista


Por Eva Haller

O passadoreconhecido
;Com sua visita a Auschwitz, Merkel marca um importante sinal simbólico do desejo de reconciliação e de reconhecimento do passado. Para mim, pessoalmente, e posso acrescentar que para muitos de meus colegas, é um importante sinal reconhecer o passado e coletar todas as energias e o bom espírito para seguir em direção a um futuro melhor. Com sua jornada, Merkel enfatiza que o antissemitismo não tem lugar em nossa sociedade democrática e que todos nós carregamos a responsabilidade do ;nunca mais;;.

Presidente da Academia Europeia Janusz Korczak na Alemanha (uma instituição educacional
judia sediada em Berlim)



Por Günther Jikeli

Admissão de culpa
;A visita de Angela Merkel a Auschwitz é um sinal de que o governo dela reconhece o papel devastador da Alemanha na organização do assassinato em massa de 6 milhões de homens, mulheres e crianças judias na Europa. Isso é importante, no momento em que o revisionismo é alto, ou seja, quando muitas pessoas na Alemanha, incluindo políticos da Alternativa para a Alemanha (AfD), estão tentando subestimar os crimes horrendos contra os judeus cometidos pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial.;

Professor de estudos judaicos e estudos alemães da Universidade de Indiana