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Durante os últimos 15 anos, a Frente Ampla decretou a soberania da esquerda à frente do poder no Uruguai, com dois mandatos do atual presidente Tabaré Vázquez e um de José ;Pepe; Mujica. Se todas as pesquisas de opinião forem confirmadas, o pêndulo da política do país penderá a partir de hoje para a centro-direita. O candidato do Partido Nacional e integrante de uma grande coalização opositora, o advogado Luis Lacalle Pou é o favorito para desbancar o ex-prefeito de Montevidéu Daniel Martínez, representante da Frente Ampla e aliado de Vázquez. Segundo a última sondagem, apresentada pela Opción Consultores, na última quinta-feira, Lacalle Pou chegará à Torre Ejecutiva (sede da Presidência uruguaia) com 51% dos votos, contra 44% para Martínez.
Ao encerrar a campanha, no mesmo dia, Martínez pediu aos simpatizantes que não relaxassem na batalha pela conquista de indecisos e garantiu que ;o sonho de um novo governo da Frente Ampla é possível;. Por sua vez, Lacalle Pou reconheceu ;uma onda de alternância de poder instalada pelo povo;. Mais de 2,6 milhões de uruguaios devem ir às urnas hoje, atendendo à obrigatoriedade do voto.
Antonio Cardarello, doutor em ciência política e professor da Universidad de la República (em Montevidéu), afirmou ao Correio que o provável retorno da direita não é produto da campanha eleitoral, mas do esgotamento do governo. ;As denúncias por má administração e perda de dinheiro nas mãos do Estado; a desaceleração da economia; o deficit fiscal; o aumento das tarifas e de alguns impostos; e o problema da insegurança sem resolver pesaram contra a Frente Ampla, de Vázquez e de Martínez;, explicou. O estudioso também lembrou que os temas de corrupção, aliados a denúncias de enriquecimento ilícito, terminaram com a renúncia inédita do vice-presidente Raúl Sendic, um fato que prejudicou o candidato oficialista.
De acordo com Cardarello, desde a redemocratização, os presidentes que terminaram o mandato não tiveram êxito em promover sucessores. A regra valeria, inclusive, para o atual mandatário. ;Embora Tabaré Vázquez e Daniel Martínez sejam do Partido Socialista, uma das legendas fundadoras da Frente Ampla, em 1971, não existe uma vinculação especial entre ambos. Além disso, liderança e carisma não se transmitem.;
Coordenador acadêmico do Observatório Político do Instituto de Ciência Política da Universidad de La República, Gerardo Caetano considera muito remota a possibilidade de vitória de Martínez. ;Se o anunciado triunfo da coalizão opositora for concretizado, isso significará uma mudança relevante na política uruguaia;, admitiu. Ele explicou à reportagem que, durante a campanha, os dois candidatos confrontaram projetos muito diferentes: enquanto o oficialismo apresenta uma proposta de perfil progressista, a oposição coligada de cinco partidos (Partido Nacional, Partido Colorado, Cabildo Abierto, Partido da Gente e Partido Independiente) propõe uma alternativa de corte mais liberal no econômico e com perfil de maior dureza na repressão da insegurança.
Retrocesso
Nos 15 anos de gestão, a Frente Ampla apresentou crescimento ininterrupto, queda nos índices de pobreza e marginalidade, um aumento médio de 55% do salário real dos trabalhadores e dos aposentados, uma mudança histórica da matriz energética e a expansão da inclusão digital. ;No entanto, nos últimos cinco anos, o segundo governo de Vázquez não foi exitoso, depois da mudança do contexto econômico na região e no mundo;, disse Caetano. Ele citou que a economia não coincide com os tempos eleitorais: apesar do crescimento sustentado, ele caiu até um quadro de quase estancamento; os investimentos despencaram; o desemprego aumentou; e o consumo interno desacelerou.
O quadro levou a um deficit fiscal alto, próximo à 5% do PIB. ;O tema da insegurança, que preocupa os uruguaios desde 2009, não foi respondido de forma adequada. Diante desse cenário, Lacalle Pou reuniu a oposição com uma crítica ao governo, calcada na crise do setor agropecuário, na violência e na economia;, avaliou. A estratégia de forjar uma coalizão multicolorida deu certo: no primeiro turno, a Frente Ampla teve 40% dos votos contra 55% para a aliança em torno do advogado.
Herdeiro de uma
dinastia política
Filho do ex-presidente Luis Alberto Lacalle (1990-1995) e da ex-senadora Julia Pou, é o herdeiro de um movimento político conhecido no Uruguai como ;Herrerismo; ; uma referência ao bisavô paterno, Luis Alberto de Herrera, que integrou um Executivo colegiado na década de 1950. Pou é o segundo de três irmãos. Tinha 16 anos quando seu pai se tornou presidente do Partido Nacional, posição hoje ocupada por ele. Deputado entre 2000 e 2015 e senador desde 2015 até renunciar a sua vaga para se dedicar a esta campanha, é amante do mar e da natureza e, às vezes, define-se como um biólogo ;frustrado;. Casado e pai de três filhos, Lacalle Pou busca a Presidência, pela segunda vez, depois de cair no segundo turno das eleições de 2014, derrotado pelo atual presidente, Tabaré Vázquez, da Frente Ampla. Em seu programa de governo, propõe a redução de gastos do Estado para superar o persistente deficit fiscal de 4,9% do Produto Interno Bruto (PIB) que arrasta o país.
Pragmatismo, a
marca do engenheiro
Engenheiro industrial de 62 anos, foi intendente (governador) de Montevidéu entre 2015 e 2019, quando renunciou ao cargo para disputar as prévias da Frente Ampla. De nacionalidade uruguaia e francesa, construiu o caminho para a candidatura durante décadas de militância no Partido Socialista. A sigla integra a coalizão de esquerda fundada em 1971 que governa o Uruguai desde 2005. Longe do carisma do ex-presidente José Mujica, ou da paixão militante que despertava o presidente Tabaré Vázquez, Martínez se mostra como um pragmático gestor do Estado. Foi presidente da estatal Ancap, que refina petróleo, ministro da Indústria e senador. Quando assumiu a Intendência de Montevidéu, começou a circular de carro elétrico, destacando preferência pela energia sustentável, e chegou a ir trabalhar de bicicleta.
Casado e pai de três filhas, é a primeira vez que disputa a Presidência. Em entrevista à agência France-Presse, garantiu que ;nunca; planejou ser presidente. ;Às vezes, a vida e
os fatos te levam.;
Eleito senador, Mujica pode ser ministro
O partido de situação Frente Ampla (à esquerda), que busca o quarto governo consecutivo no Uruguai nas eleições de novembro, recorreu à sua velha guarda e anunciou que, se vencerem as eleições, o ex-presidente José Mujica será ministro. O senador eleito, de 84 anos, que deixou o poder em 2015, ocuparia a pasta de Pecuária, Agricultura e Pesca, caso o candidato à Presidência, Daniel Martínez, vença as eleições de hoje. Mujica ocupou esse cargo durante o primeiro governo de seu partido de 2005 a 2008. Além disso, o atual ministro da Economia, Danilo Astori, 79 anos, seria chanceler, disse Martinez.
Pontos de vista
Por Antonio Cardarello
Economia e
ética na berlinda
;A insegurança se tornou o principal tema de preocupação dos uruguaios desde 2009, com aumento no número de furtos e homicídios. A economia se contraiu e provocou crise em alguns setores do agronegócio, em especial a produção leiteira e o cultivo de arroz. Existe um descontentamento com a parte política, e o tema ético foi central, com a comprovação de condutas que não foram corretas. Os casos mais graves envolvem a renúncia do vice-presidente, Raúl Sendic, e da primeira senadora transgênero Michelle Suárez. Ambas as condutas tiveram uma tradução eleitoral negativa.;
Doutor em ciência política e professor da Universidad de la Republica
Por Gerardo Caetano
O peso da
insegurança
;O tema central da campanha foi a insegurança, o que favoreceu a oposição. A queda dos indicadores econômicos também mostrou-se destaque, em particular no interior do país, onde a oposição tende a prevalecer de maneira categórica. A questão da corrupção não foi um assunto-chave de campanha. A estratégia de centrar a defesa do governo em seus sucessos econômicos, sociais e no campo da nova agenda de direitos não parece ter sido suficientemente contundente para convencer a maioria do eleitorado.;
Historiador, cientista político, coordenador econômico do
Observatório Político e presidente da Universidad de la Republica