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A queixa é de uma vítima da repressão policial no Chile. ;Creio que o governo ignora as demandas da população. As pessoas não têm mais dinheiro, não conseguem ter acesso a boa saúde ou educação. A desigualdade social é muito grande, e isso causa muita infelicidade;, afirmou ao Correio a enfermeira Natalia Aravena (leia Depoimento), 25 anos, funcionária de uma clínica psiquiátrica que perdeu o olho direito durante uma manifestação, no último dia 28. ;O governo, em vez de assumir o comando, envia carabineiros e as forças armadas para reprimir as pessoas, ao fazer uso desproporcional da força e provocar graves lesões na população, algumas delas irreparáveis, como a minha.;
Ontem, um grupo de deputados de esquerda apresentou uma acusação constitucional no Congresso contra o presidente chileno, Sebastián Piñera. Os políticos da oposição atribuem a ele a suposta responsabilidade em violações de direitos humanos que teriam sido cometidas pelos agentes do Estado. Por sua vez, a 6; Sala da Corte de Apelações de Santiago rejeitou uma demanda para proibir os carabineiros de usarem escopetas antidistúrbios durante os protestos. Segundo a petição, apresentada por advogados e estudantes de direito, ;não é possível que exercer o legítimo direito a protestar condicione a livre locomoção pela cidade, além de ser impossível e nocivo respirar, e além do risco de ficar com trauma ocular por uso indiscriminado de escopeta antidistúrbios;.
Carmen Hertz, deputada do Partido Comunista, patrocinador da ação contra Piñera, afirmou que a repressão encampada pelo governo ;infringiu claramente a Constituição e as leis;. ;Isso foi assinalado por nós com argumentos sólidos e responsáveis nessa acusação. (;) Não possível que neste país se siga com a impunidade política, moral e social, parte muito importante que detonou as manifestações;, comentou, em entrevista coletiva.
Professor de estudos internacionais da Universidade do Chile, Miguel Ángel López disse ao Correio que 11 deputados apresentaram a acusação constitucional contra Piñera. ;Essa medida foi firmada por deputados que não acordaram com uma decisão tomada pelo governo, na madrugada de sexta-feira, de realizar um plebiscito para levar adiante uma mudança da Carta Magna. Para ser aprovada, ela precisa do voto da maioria. Seriam necessários 78 votos dos 155 parlamentares, algo difícil. No Senado, exige-se o apoio de dois terços dos membros;, explicou. ;Isso tem mais um efeito simbólico do que real. Remover o presidente culminaria em um vazio de poder muito complexo, sobretudo no momento que vivemos.; (RC)
Depoimento
;Terei de viver com um olho a menos;
;Em 28 de outubro, houve marcha convocada para as 17h em frente ao Palacio de La Moneda, às 17h. Eu ia me encontrar com um amigo para irmos juntos. Quando saí do metrô, apareceu um caminhão da polícia com canhão d;água. Carabineiros vinham a pé, lançando bombas lacrimogêneas com suas armas. O povo protestava pacificamente, mas foram reprimidos com força desmedida. Corri com outras pessoas. Quando me voltei para ver se eles ainda vinham, escutei um disparo e senti o impacto de uma bomba justo em meu olho direito.
Dali, fui levada ao setor de emergências do hospital. Fizeram uma cirurgia para suturar o ferimento e esperar que meu olho melhorasse, mas não foi assim. Finalmente, confirmou-se que o dano era irreparável e que eu tinha perdido a visão e o globo ocular. Eles me submeteram a uma segunda cirurgia, onde evisceraram o olho e colocaram um implante para substituí-lo, operação da qual estou me recuperando. Em um mês, aproximadamente, poderei mandar fazer minha prótese, que fará com que me vejam esteticamente normal, apesar de eu não ter um olho real. Eu terei de viver com um olho a menos, apenas por um querer um país mais justo.;
Natalia Aravena, 25 anos, enfermeira, funcionária de uma clínica psiquiátrica, moradora de Santiago