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Conexão diplomática

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Brasil tirou a
política do Brics

Ofuscada pela crise na Bolívia e, mais ainda, pela breve ocupação da Embaixada da Venezuela em Brasília, a cúpula do Brics, celebrada pela segunda vez por aqui, terminou com a constatação clara de que, ao menos no que depender do Brasil, nos próximos anos, o semibloco dos emergentes vai ficar apenas em iniciativas de interesse comum. Muito sintomático que o encontro dos chefes de Estado de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, embora reunidos na principal capital sul-americana, tenham ignorado, no comunicado final, os conflitos em andamento na vizinhança: Bolívia e Chile, no momento, sem falar nas turbulências recentes no Equador.

Curioso que o comunicado final do encontro tenha mencionado as tensões regionais em países vizinhos a outros participantes. O texto faz menções à disputa quase eterna entre Isral e Palestina, cita o Afeganistão e a Península Coreana, se remete ao problema da proliferação nuclear ; mas não contém nenhum tipo de referência, ainda que vaga e conciliatória, sobre os protestos no Chile e a renúncia forçada de Evo Morales, na Bolivia.

A omissão das crises vizinhas no documento foi vista por alguns como uma derrota diplomátca do Brasil, que teria interesse em um pronunciamento dos colegas de bloco sobre a recente ofensiva contra os governos da esquerda nacionalistas. Outros observadores, porém, lembram que a diplomacia brasileira tinha objetivos mais imediatos. Um deles, claramente, era impedir o reconhecimento internacional da reeleição do presidente boliviano, Evo Morales. O outro era impedir qualquer condenação do presidente do Chile, Sebastián Piñera. Pelas 20 mortes nos distúrbios das últimas semanas.

Negócios à parte

O saldo final da reunião de Brasília foi uma vitória para a estratégia do Planalto e do Itamaraty, voltada para o que chamam de ;desideologizar; as relações externas. Noves fora, e à parte as posições que mantêm, favoráveis a Evo Morales e ao presidente chavista da Venezuela, Nicolás Maduro, os presidentes da Rússia e da China encamparam a fórmula segundo a qual a Declaração de Brasília menciona a disputa entre Israel e palestinos, a escalada de violência no Afegasnistão e o impasse nuclear com a Coreia do Norte, mas nada fala sobre a vizinhança sul-americana do Brasil.

A ideia presente no pano de fundo não escapou aos diplomatas que acompanharam o encontro: assim como o Brasil de Bolsonaro, os demais quatro integrantes do ;bloco dos emergentes;, acima de tudo, não querem que diferenças de enfoque venham a dificultar as transações com um dos mercados mais promissores da atualidade.

Não sai ileso

A semana serviu ainda para lembrar que, ao tomar partido em questões espinhosas da vizinhança, o país deixa de ser imune aos desdobramentos das disputas. Foi o que aconteceu, na quarta-feira, com a ocupação de áreas do complexo da Embaixada de Venezuela por grupos próximos ao presidente interino autoproclamado Juan Guaidó.

Não foi de todo descolocada a colocação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), depois retirada, manifestando estranheza com uma dicotomia que ficou expressa ao longo do incidente. O governo de seu pai, Jair Bolsonaro, não apenas não dá legitimidade ao presidente chavista, Nicolás Maduro. O Itamaraty reconhece como embaixadora do país vizinho a emissária de Guaidó, considerado o chefe de Estado Interino. No entanto, em nome da Convenção de Genebra sobre Relações Diplomáticas e Consulares, o Brasil se viu obrigado a interceder para a saída dos invasores da representação venezuelana e sua restituição plena ao emissário enviado por Maduro.

Não perde a majestade

As últimas crises na América do Sul, em particular o impasse na Bolívia, com a renúncia em série do presidente Evo Morales e de outros políticos da esquerda que ocupava, postos centrais em seu seu governo, sugere que os tempos mudaram e exigirão mais do que votos aos partidos do Foro de São Paulo ; execrado por Bolsonaro como ;instituição estrangeira;. A tese do governo brasileiro contra os adversários de esquerda na região tem espaço até naquilo que se convencionou chamar de ;a direita; sul-americana. E já fez jurisprudência na Organização dos Estados Americanos (OEA).

A sede instalada em Washington deixa poucas dúvidas sobre o sentido da atuação da organização. Foi ela mesma, nos anos 1960, no auge da tutela norte-americana sobre a América Latina, que apoiou a tentativa de invasão do país por comandos anticomunistas, em 1961, e depois o expulsou da organização.

No episódio, a OEA, que tem sede em Washington, reafirmou a vocação, anunciada desde a fundação, de ser instrumento de uma política do Departamento de Estado para consolidar e institucionalizar a predominância dos EUA naquilo que sua diplomacia designa como o Hemisfério Ocidental ; as Américas.

Zé Carioca

Criada nos anos do pós-2; Guerra, a OEA nasceu na mesma época em que os incipientes estúdios Disney exibiam uma animação em que o Pato Donald, elevado à condição de ;embaixador; dos intereses do país, saía em viagem rumo ao sul. No México, faz amizade com o corvo Panchito. Em seguida, a dupla segue para o Brasil e descobre o papagaio Zé Carioca, estereótipo do brasileiro malandro e boa-praça.

Na tela do cinema, em paralelo com o sucesso de Carmen Miranda, Hollywood cooptava a alma de dois parceiros essenciais para a política enunciada de fazer das Américas o seu domínio estratégico no tabuleiro da geopolítica global para as décadas da Guerra Fria.