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Opção pelo diálogo

Presidente interina Jeanine Áñez instaura negociações com o MAS, partido de Evo Morales, mas veta participação do opositor em novas eleições. Ex-líder indígena admite retornar do México para estabilizar o país. Congressistas se rebelam e iniciam greve de fome

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A presidente interina da Bolívia, Jeanine Áñez, emitiu sinais controversos nas últimas horas. Depois de nomear um gabinete ministerial integrado também por um corpo mais técnico do que político, ela avisou que o ex-presidente Evo Morales ;não está habilitado; para se candidatar a um quarto mandato e ordenou ao recém-empossado ministro da Presidência, Jerjes Justiniano, que instaurasse uma mesa de diálogo com o Movimento ao Socialismo (MAS) ; partido do líder indígena demissionário. ;Estamos em uma mesa de diálogo. Acreditamos que é possível pacificar o país;, declarou Justiniano. No entanto, a missão promete ser espinhosa. Ontem, congressistas do MAS acamparam na Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia, rejeitaram o ;golpe de Estado;, reconheceram Evo Morales como o presidente legítimo e começaram uma greve de fome.

A mesa de diálogo conta com a presença de representantes de Áñez e de parlamentares aliados a Evo, como a senadora Adriana Salvatierra, ex-presidente do Senado, e a deputada Betty Yañiquez. As conversas entre o novo governo e o MAS estão ;em recesso;, enquanto as autoridades analisam as exigências do partido de Morales. ;Se querem uma lei que lhes garanta que não haverá perseguição política, perfeito;, declarou Justiniano. ;Eles nos pediram: queremos um salvo-conduto para todos nossos dirigentes. Não haverá uma caça às bruxas. Nós deixamos evidente uma proposta na mesa de negociação, a de suspender, dar um espaço intermediário em todas as mobilizações e greves no país, para que possamos acessar formalmente todas essas concessões, a fim de que a vontade do governo alcance um processo de paz;, emendou. Segundo a agência France-Presse, Justiniano concordou com as duas condições e com a possibilidade de o ex-presidente retornar do asilo político na Cidade do México para viver como cidadão comum na Bolívia.

Ontem, o próprio Evo Morales admitiu a possibilidade de regresso à Bolívia. ;Se meu povo pedir, estamos dispostos a voltar para apaziguar, mas é importante o diálogo nacional;, afirmou Morales. ;Vamos voltar cedo ou tarde. Quanto antes, melhor para pacificar a Bolívia.; Ele considerou ;importante; o diálogo nacional para ;deter este confronto;. Apesar de apoiar as negociações com o MAS, Jeanine acusou Morales de ;incitar; a população boliviana ;em seu desejo ;prorroguista;; e anunciou que apresentará uma reclamação formal ao governo do México. Ontem, o Correio tentou contato telefônico com Morales, mas o celular dele tinha sido ;bloqueado para chamadas por razões administrativas;.





Pacificação
Para o sociólogo e jornalista boliviano Adalid Contreras Baspineiro, a solução para a crise política em seu país exige um acordo no Congresso para conformar o novo organismo eleitoral, responsável pela convocação de novas eleições. Ao comentar a rebelião dos parlamentares do MAS, o especialista disse à reportagem que a Assembleia Legislativa Plurinacional da Bolívia deve abordar o tema apegada à Constituição. ;No momento, estão primando as posições extremas;, lamentou. Baspineiro considera exagerado afirmar que os novos ministros de Áñez sejam radicais. ;Um dos eixos de trabalho do governo transitório é a pacificação do país. Todos estão buscando o diálogo para viabilizar novas eleições, missão principal deste governo;, acrescentou.

Yercko Illijic, professor de direitos humanos da Universidade Católica Boliviana de La Paz, concorda que o novo gabinete de Áñez é ;bastante técnico, não totalmente meritocrático;. ;Trata-se de um excelente ensaio de institucionalidade para a transição democrática depois de 22 de janeiro;, comentou ao Correio. ;O único radical da equipe, o novo ministro do Interior, Arturo Murillo, é necessário para a articulação da mesa de negociação visando à seleção de autoridades eleitorais e a solidez do processo eleitoral nacional.; Segundo Illijic, existe um grupo radical de parlamentares que deseja a obstrução da institucionalização do governo de Áñez. ;No entanto, o MAS orgânico e a ala moderada do partido adiantaram os elementos de uma negociação para o abandono da pressão e da violência. Querem o retorno de Morales e que seja um ator neutro, uma ;testemunha; de seu partido;, afirmou.

Doutor em ciência política e professora da mesma universidade de Illijic, Marcelo Arequipa teme que a presença de Murillo e de outros nomes aliados ao Comitê Cívico Pró Santa Cruz, de Luis Fernando Camacho, pode dificular o funcionamento da mesa de negociações. ;Os principais desafios de Áñez são abandonar o discurso de que Morales foi um presidente corrupto e convocar eleições gerais;, avaliou.




Venezuela
Ontem, o governo de Áñez reconheceu o líder opositor Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela. A confirmação foi feita pela nova ministra da Comunicação boliviana, Roxana Lizárraga. ;Este é o reconhecimento que a Bolívia faz a partir desse momento;, anunciou.

Guaidó é reconhecido como presidente encarregado da Venezuela por 50 países, incluindo o Brasil. No entanto, na prática, o controle do país permanece nas mãos do governo chavista de Nicolás Maduro, um forte aliado de Morales. Até o fechamento desta edição, Guaidó não tinha feito comentários a respeito da decisão da Bolívia.





Bastidores



ONU rumo a La Paz

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, anunciou que um enviado especial viajará a La Paz para que siga os eventos decorrentes da crise política. Guterres disse que ;segue profundamente preocupado com os acontecimentos; na Bolívia, de acordo com o jornal El Deber. Ele tornou a conclamar todos os bolivianos ;para que se abstenham da violência e exerçam a máxima moderação;. O enviado da ONU a La Paz, Jean Arnault (foto), atuou como representante especial do secretário-geral na Colômbia, na Geórgia, no Afeganistão, no Burundi e na Guatemala.




Asilo na Argentina?
O presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández (foto), disse em Montevidéu que oferecerá asilo político ao ex-líder boliviano Evo Morales depois de sua posse em 10 de dezembro, como fez o México. Durante visita em que se reuniu com o colega uruguaio, Tabaré Vázquez, Fernández disse que ;a Argentina é casa de todos os bolivianos;. ;No dia que eu chegar à Presidência, será uma honra receber Evo Morales e (o ex-vice-presidente da Bolívia) Alvaro García Linera na Argentina;, disse, diferenciando-se do atual presidente argentino, Mauricio Macri. ;Se fosse eu o presidente, teria oferecido o asilo no primeiro dia;, acrescentou Fernández.




Mujica como mediador

Em entrevista a uma rádio do Uruguai, o ex-presidente da Bolívia Evo Morales sugeriu os nomes do ex-colega uruguaio José Pepe Mujica (foto) e do ex-premiê espanhol José Luis Rodríguez Zapatero para atuarem na mediação, a fim de ajudar na ;pacificação da Bolívia;. Por meio do Twitter, Morales pediu aos organismos internacionais, à Europa e ao papa Francisco para que acompanhem o diálogo no país. ;A violência atenta contra a vida e a paz social;, alertou.


Aval da Rússia
A Rússia reconhece Jeanine Áñez como líder interina da Bolívia até a eleição de um novo presidente, embora não considere ;legítimo o processo; de saída de Evo Morales do poder, declarou o vice-chanceler russo, Sergey Riabkov. ;Está claro que é ela (Jeanine Áñez) quem será considerada líder da Bolívia até a eleição de um novo presidente;, disse Riabkov.