Teerã e as principais cidades do Irã reviveram ontem o clima de fervor antiamericano que marcou os primeiros anos do regime islâmico implantado após a revolução de fevereiro de 1979. Bandeiras dos Estados Unidos foram queimadas e pisoteadas, cartazes e bonecos deram cores à hostilidade para com o presidente Donald Trump e o lema de ;morte à América; foi gritado por multidões de manifestantes. Submetido a duras sanções econômicas impostas por Washington, o país celebrou 40 anos da ação que selou a inimizade entre os dois governos: a ocupação da embaixada dos EUA em Teerã por militantes radicais que mantiveram diplomatas e funcionários como reféns por 444 dias, até janeiro de 1981.
;Os EUA são como um escorpião com veneno mortal, que continua importunando mesmo quando já está esmagado;, declarou o general de divisão Abdolrahim Musavi, comandante do Exército. ;A única via para o nosso país seguir avançando é manter o espírito revolucionário, baseado na prudência e na obediência ao guia;, completou o militar, referindo-se ao líder religioso supremo, o aiatolá Ali Khamenei. Desde 1989, ele ocupa o posto aberto com a morte do inspirador da revolução e patriarca do regime, o aiatolá Ruhollah Khomeini ; a quem os estudantes radicais que invadiram a embaixada americana devotavam lealdade absoluta.
Milhares de manifestantes se reuniram desde a manhã diante do edifício que abrigava a representação diplomática, no centro da capital iraniana. Mulheres vestidas com o tradicional chador, que cobre o corpo da cabeça aos pés, carregavam crianças e exibiam retratos de Khamenei e Khomeini. Faixas escritas em inglês e farsi (persa, o idioma oficial e predominante) proclamavam ;morte à América; e ;morte a Israel;. Na face exterior do complexo, murais comemorativos inaugurados no sábado denunciavam a ;arrogância imperialista; de Washington. A emissora estatal de tevê desfilou imagens de manifestações em Mashhad (norte) e Isfahan (centro), segunda e terceira maior cidade do país, respectivamente.
O 40; aniversário do incidente que resultou no rompimento de relações diplomáticas, formalizado em abril de 1980, coincide com o acirramento das tensões bilaterais, em decorrência do impasse sobre o programa nuclear iraniano. Em meados de 2018, Trump retirou oficialmente os EUA do acordo firmado por Teerã com o governo de Barack Obama e mais cinco potências, em 2015, pelo qual o Irã suspendeu atividades do setor atômico em troca do alívio das sanções internacionais. Um ano depois de romper com o tratado, Trump passou a restabelecer e reforçar as represálias, com forte impacto sobre a economia iraniana.
Humilhação
A ;crise dos reféns; foi recebida como humilhação pública pelo então presidente dos EUA, o democrata Jimmy Carter, massacrado pela oposição republicana por ter ;perdido; aquele que era, até a revolução islâmica, um dos principais aliados de Washington no Oriente Médio. Uma tentativa fracassada de resgate militar contribuiu para desgastar ainda mais a imagem de Carter, derrotado pelo republicano Ronald Reagan na eleição de novembro de 1980. Os últimos 52 diplomatas cativos foram libertados em janeiro seguinte, no dia em que Reagan tomou posse na Casa Branca.
Protesto
no Iraque
Terminou com quatro mortes um protesto diante do consulado iraniano na cidade sagrada xiita de Kerbala, no sul do Iraque, em mais um dia de manifestações de rua por todo o país contra o governo de Bagdá, que tem o apoio do regime de Teerã. As forças de segurança iraquianas responderam aos distúrbios disparando munição real contra grupos que tentaram incendiar a representação diplomática do país vizinho. ;Querem nos matar, e não dispersar o protesto;, acusou um jovem. ;Protegem um consulado estrangeiro quando nós apenas queremos que o país não seja comandado pelo exterior.; Desde o início dos protestos, em 1; de outubro, a repressão imposta pelas autoridades deixa um saldo de 2576 mortos, segundo o balanço oficial.