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Neste mês, a búlgara Kristalina Georgieva assumiu o posto de diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI). Georgieva não quebra o acordo de cavalheiros que prevê sempre um europeu na direção do Fundo. É assim desde a criação do órgão, em 1944, na Conferência de Bretton Woods, bairro da cidade de Carroll, no estado New Hampshire (EUA), onde as 44 nações aliadas decidiram dar uma organizada no capitalismo para quando acabasse a 2; Guerra Mundial. O primeiro diretor-gerente foi um belga e, nos 73 anos de vida do Fundo, em 44 deles algum francês ocupou o posto principal. Quem vê política em tudo diz que Georgieva é a primeira de um país em desenvolvimento.
Todavia, o país de Georgieva ; que, com 7 milhões de habitantes, tem uma população igual à do município do Rio de Janeiro ; é parte da União Europeia desde 2007. Além disso, a nova diretora é uma burocrata tarimbada, com passagem tanto no sistema das Nações Unidas quanto na União Europeia. Assim, sua promoção é apenas o resultado de seleção de mérito dentro da própria Europa. De toda forma, é bom saber que Georgieva é unha e carne com o pensamento reinante em Paris.
A outra organização internacional criada em um resort de Bretton Woods foi o Banco Mundial. Desde sempre, a presidência do órgão foi exercida pelos EUA. Em 2012, ocorreu um movimento para ampliar o feudo estadunidense na instituição com as candidaturas de Ngozi Okonjo-Iweala, uma nigeriana de sangue real enviada para estudar nas mais poderosas universidades dos EUA ainda adolescente, e que chegou a número dois do Banco Mundial, e o colombiano José Antonio Ocampo, professor na principal universidade de Nova York e figura calejada do sistema ONU.
Numa atitude que tentava dialogar com a situação, os EUA de Obama escolheram promover um estadunidense nascido na Coreia do Sul como o máximo de avanço possível. Jim Yong Kim, o escolhido, apesar de bem-intencionado e com importante contribuição na área de saúde filantrópica, fez uma das mais conturbadas gestões que a organização já teve. Pediu para sair no início deste ano e foi substituído a toque de caixa pelo atual presidente, David Malpass. Quando Malpass chegou ao Banco Mundial, encontrou Georgieva atuando como diretora executiva.
Tanto o Banco Mundial quanto o FMI, para além de suas funções centrais de canalizar empréstimos e financiamentos para resolver desequilíbrios da economia mundial, também se organizam como grandes fábricas de diagnósticos, prognósticos e tratamentos aplicados às questões econômicas das diversas partes do mundo. Ambas as instituições são parte central da governança global, mesmo para países que não dependem delas. Apesar das brigas políticas que desanimam as organizações, as duas instituições são centros muito bem informados e com equipe da mais alta qualidade. Mas, hoje, enfrentam um furacão: com as atuais regras do jogo, a China vai ganhar o campeonato iniciado em Bretton Woods.
O primeiro relatório sobre a situação global publicado pelo FMI sob Kristalina Georgieva aponta para a economia mundial crescendo 3% em 2019. O mais baixo crescimento desde o epicentro da crise financeira nas economias centrais, entre 2008 e 2009. A perspectiva é de uma queda no crescimento tanto da China quanto dos EUA, por conta de belicosas decisões políticas tomadas em cada um dos dois países com relação ao outro.
A decisão dos governos desses dois países de ferir a economia um do outro é surreal, dado o nível de emaranhamento complexo entre as duas maiores economias do planeta. Ao ferir a China, os EUA ferem a si mesmos. Ao ferir Washington, Pequim fere a si mesma. Do jeito que os dois países estão se comportando, podemos sentir, talvez, a mais ousada tentativa do modelo econômico liberal ; praticado pelos dois, a seu modo ; de acabar com a intermediação política e desestabilizar as instituições democráticas. Sem confiança no horizonte, o resto da economia global é tratada como dano colateral. Dado o violento narcisismo paranoico de vários dos envolvidos, o efeito manada que a retórica nacionalista causa agrava a competição pura e desvairada. China e EUA podem sequestrar o mundo num longo processo revisionista, estimulados pela moda política de ver mais virilidade na grosseria do que na educação.
Em linguagem mais neutra e burocrática, como cabe a tais relatórios, o FMI, quem diria, aponta para a necessidade de se dar um basta nas tensões comerciais internacionais, revigorar a cooperação multilateral e prover apoio público à atividade econômica onde for necessário. Tendo como objetivo tornar o crescimento econômico socialmente mais justo e parar de apostar na incerteza das tensões geopolíticas.