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Conexão diplomática

[FOTO1]Inquietações
na vizinhança


Os meses finais do primeiro ano de governo Bolsonaro se anunciam como um teste em torno das inquietações na vizinhança sul-americana. O próximo capítulo, amanhã, envolve as eleições presidenciais na Argentina e no Uruguai, dois parceiros do país no Mercosul. No primeiro caso, o prognóstico que predomina é a vitória em primeiro turno da chapa peronista, com Alberto Fernández e a ex-presidente Cristina Kirchner ; a dupla que o presidente brasileiro anunciou como ;um desastre; no horizonte. O presidente Mauricio Macri, parceiro do capitão, aposta as últimas fichas em uma votação que lhe permita disputar o segundo turno, em novembro.

Na outra margem do Prata, é a esquerda, no governo desde 2005, que luta com os números das pesquisas. Seu candidato, Daniel Fernández, lidera as intenções de voto para o primeiro turno, mas quase não tem perspectiva de votos a acrescentar para o desempate contra qualquer que seja o candidato da direita. O desfecho da sucessão em Montevidéu e Buenos Aires definirá o panorama dos próximos anos para o Mercosul, no momento em que o bloco sul-americano deve examinar a ratificação e a implantação do acordo comercial fechado recentemente com a União Europeia.

Mais explosiva e imediata é a situação na vizinha Bolívia e no Chile, ambos imersos em turbulências, por razões distintas e em conjunturas políticas inversas. No primeiro caso, uma eleição de resultado contestado polariza a oposição de direita contra o presidente de esquerda Evo Morales, proclamado reeleito para o quarto mandato. No outro, uma semana de protestos e confrontos iniciados com o aumento nas tarifas de metrô, mas voltado agora contra o conjunto da política privatista do presidente direitista Sebastián Piñera ; outro aliado de Jair Bolsonaro.

Dois pra lá, dois pra cá
O ano termina com a América do Sul fortemente polarizada entre os novos governos de direita e os remanescentes da esquerda nacionalista que comandou praticamente toda a região nas primeiras décadas do século. Na Argentina, a tendência indicada nas pesquisas de opinião é que a esquerda peronista volte ao poder, com Alberto Fernández na presidência e Cristina como uma vice que metade dos argentinos apontam como a figura central do governo. O desfecho no Uruguai determinará o lado para o qual penderá a balança do subcontinente nos próximos anos.

Na coluna das áreas de turbulência e instabilidade, hoje ocupada pela Venezuela, a Bolívia é candidata a tomar assento, seja qual for a última palavra sobre a eleição do domingo passado ; mas principalmente se Evo Morales for reempossado. Com a oposição até aqui determinada a não reconhecer um novo mandato do primeiro presidente com origem na maioria indígena,

Culpa do Maduro
Os governos de Brasil, Colômbia, Paraguai e Argentina apontaram o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como artífice da onda de distúrbios no Chile ; como haviam feito, duas semanas atrás, em relação à revolta no Equador contra a alta dos combustíveis determinada pelo presidente Lenín Moreno. Durante sua viagem à Ásia, Bolsonaro comentou mais de uma vez a convulsão no Chile. Chegou a se referir aos protestos como ;atos terroristas;, apontou a interferência do Foro de São Paulo, que articula a esquerda latino-americana, e garantiu que o Exército, no Brasil, está pronto para sufocar qualquer processo semelhante.

Mercosul na balança
É também o rumo do Mercosul nos próximos anos que está em jogo nas urnas, em dois dos países-membros. Mais especialmente, o resultado de domingo na Argentina tem impacto inevitável nas relações entre os dois países que comandam politicamente o bloco desde a fundação, há três décadas. Bolsonaro não apenas tomou partido aberto da reeleição de Macri, um dos expoentes da nova direita sul-americana, ao lado do presidente brasileiro e do chileno, Sebastián Piñera. Para o capitão, a volta do peronismo ao poder, e especial a presença de Cristina Kirchner, representaria ;um desastre;. Durante sua visita ao Japão e à China, ele chegou a acenar com ideia de ;isolar; o principal parceiro dentro do jogo político do Mercosul caso ;a turma do Foro de São Paulo; se disponha a ;atrapalhar; o andamento dos processos.

De sua parte, o favorito a conquistar a Casa Rosada, Alberto Fernández, não apenas manifestou a disposição de submeter a uma revisão miniuciosa o acordo comercial recém-fechado com a Europa. Mencionou expliciramente a possibilidade de não ratificá-lo. Em outra frente na qual Bolsonaro e Macri vêm jogando em tabelinha ; o da prolongada crise política na Venezuela ;, um governo peronista poderia se desligar do Grupo de Lima, que articula a pressão externa para remover Maduro. Fernández sinalizou que se aproximaria de Uruguai e México, que tentam construir uma ;terceira via; para dissolver o impasse.