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De um lado, o presidente boliviano, Evo Morales, que se diz ;quase certíssimo; da vitória no primeiro turno e intensifica os ataques à direita. ;Um golpe de Estado está em andamento. Quero que o povo boliviano saiba que até agora humildemente sofremos para evitar a violência e não entramos em confronto;, declarou o socialista. De outro, o líder opositor Carlos Mesa, que denuncia fraude nas eleições do último domingo e convoca os simpatizantes a uma ;mobilização permanente; em defesa do voto. Com a Bolívia mergulhada no limbo eleitoral e em meio a uma greve geral por tempo indeterminado, a Organização dos Estados Americanos (OEA) surpreendeu ontem ao defender que ;a melhor opção; seria convocar um segundo turno. Até o fechamento desta edição, com 97,46% dos votos apurados, Morales tinha 46,68% contra 36,85% para Mesa ; uma diferença de 9,8 pontos percentuais. Para evitar o segundo turno, Morales precisa de no mínimo 40% dos votos e uma vantagem de 10 pontos em relação ao segundo colocado.
;No caso de que, concluída a contagem, a margem de diferença seja superior a 10%, estatisticamente é razoável concluir que será por uma porcentagem ínfima. Devido ao contexto e às problemáticas evidenciadas neste processo eleitoral, continuaria sendo uma melhor opção convocar um segundo turno;, sustenta um informe elaborado pela missão de observadores da OEA.
Ivan Lima, ex-magistrado do Tribunal Supremo de Justiça da Bolívia, afirmou ao Correio que resta a contagem dos votos dos departamentos de Chuqisaca e Potosí, onde Morales possui mais de 80% de popularidade. ;É possível que a diferença aumente e, por isso, o segundo turno seja descartado. O argumento de Mesa e da OEA diz respeito à paralisação da apuração por parte do TREP, o mecanismo de recontagem rápida de votos. Isso não representa fraude, atas nulas ou outro motivo que anule a eleição. Foi um erro suspender a recontagem.;
Lima acredita que, ;pela lógica e pelo senso comum;, a fraude em uma ata eleitoral é impossível. ;De cada mesa eleitoral se produz uma ata com 12 cópias, uma para cada um dos nove partidos e três outras para as autoridades eleitorais. A elas se somam os sistemas privados de controle dos partidos. Nenhuma ata apresentada foi impugnada até o momento;, comentou o ex-juiz. O governo dos Estados Unidos exortou a Bolívia a ;respeitar os votos emitidos pelo povo;. ;Nós deixamos claro que, se não fizerem isso, haverá sérias consequências em suas relações com a região;, advertiu Michael G. Kozak, subsecretário interino de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental.
Violência
O impasse nas urnas acirrou os ânimos nas ruas. Desde segunda-feira, manifestantes queimaram escritórios do Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) em Potosí (sudoeste), Sucre (sudeste), Cobija (norte) e Santa Cruz de La Sierra (leste) ; capital econômica e reduto da oposição. Protestos violentos entre opositores e governistas eclodiram no bairro ;Tres Mil;, em Santa Cruz, leal a Morales. Ao menos dois civis ficaram feridos.
;Convoco hoje todos os nossos compatriotas que acreditam na democracia à mobilização permanente, à mobilização em defesa do voto;, declarou Mesa, ontem, pouco antes de falar ao Correio (leia entrevista). ;A OEA se deu conta de que existe possibilidade de uma convulsão social, produto de determinações ativadas a partir de cabildos (assembleias) em seis dos nove departamentos do país. Esses departamentos prometeram desconhecer Morales, caso haja o mínimo de irregularidades, e convocaram greves cívicas por tempo indefinido;, explicou Jorge Dulon, cientista político e professor radicado em La Paz. O especialista defende que, caso Morales consiga uma diferença de 10% em relação a Mesa, seria melhor um segundo turno, com mais garantias. ;É uma das saídas políticas apregoadas pela oposição e por esferas da sociedade civil. Outra opção seriam eleições gerais, com um novo Tribunal Supremo Eleitoral;, disse.
Para Dulon, a denúncia feita por Morales sobre um suposto golpe se insere na estratégia política e na coerência de seu discurso de todo a vida: a perseguição do império ao governo socialista. ;Ele se vitimiza para tentar obter a coesão de todos os seguidores, como movimentos sociais e organizações corporativas. Mesa foi bastante preciso ao anunciar que não tem intenção de romper o marco democrático;, lembrou. Ele admite ;grande suscetibilidade de fraude; e adverte que o comportamento social tende a se multiplicar em todos os departamentos do país. ;Haverá bloqueios, interrupção de serviços, etc, na busca de afogar o governo. Isso vem de um estalido social, próprio da sociedade que não responde a uma linha ideológica;, acrescentou.
Morales recebeu o apoio e a solidariedade do colega venezuelano, Nicolás Maduro. ;É um golpe anunciado, cantado e, posso dizer, derrotado. O povo boliviano derrotará a violência;, avaliou o também socialista.
;Um golpe de Estado está em andamento. Quero que o povo boliviano saiba que até agora humildemente sofremos para vitar a violência e não entramos em confronto;
Evo Morales, presidente da Bolívia
>> entrevista CARLOS MESA
;O presidente viola
a Constituição;
Aos 66 anos, Carlos Mesa aposta todas as fichas no segundo turno para voltar ao Palacio Quemado, sede do Executivo. Presidente da Bolívia entre 17 de outubro de 2004 e 9 de março de 2005, Mesa assumiu após a renúncia de Gonzálo Sánchez de Lozada, em meio a uma convulsão social que deixou 80 mortos e 500 feridos. Entre reuniões e comunicados oficiais, e depois de dois dias de insistência, o líder da oposição a Evo Morales falou com exclusividade ao Correio, por telefone. Mesa rejeitou a proposta de uma auditoria vinculante feita pela Organização dos Estados Americnanos (OEA), classificou a interrupção na contagem de votos como ;uma decisão política do governo;, insistiu na tese de fraude e prometeu apresentar evidências. Também rebateu as denúncias de Morales sobre um golpe de Estado. ;Qualquer manual básico de direito diz que, quando alguém, de maneira ilegítima, controla um só poder, está vulnerando a Constituição e levando a cabo um golpe de Estado;, disse.
Como o senhor vê a questão da auditoria vinculante por parte da OEA? Está de acordo com ela?
A resposta do secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), aceitando a auditoria proposta pelo governo, chegou aqui a La Paz antes do informe oficial da OEA, a qual foi lapidária com o processo eleitoral. Este informe considera que o processo eleitoral não se sustenta e não é crível. Nesse contexto, chegou à conclusão de que deve haver um segundo turno. Portanto, me parece uma surpresa questionar sobre uma auditoria depois de um informe tão lapidário da própria OEA.
A auditoria vinculante não significa que a própria OEA proclamaria o próximo presidente eleito?
Não creio que o caráter vinculante possa ser aceito vindo de um organismo internacional. Uma auditoria chegou a uma conclusão, e essa conclusão deverá ser respeitada.
De que modo recebeu a paralisação na contagem dos votos?
A paralisação na apuração, na verdade, é a recontagem de votos do mecanismo chamado TREP. Isso tem a ver com uma decisão política do governo, pois todos sabemos que o Tribunal Supremo Eleitoral é um braço executor do governo. Em consequência, mostra claramente a manipulação desse processo eleitoral e o desenvolvimento do mesmo, por parte do Tribunal Supremo, em nível de fraude.
A transparência e a lisura do processo eleitoral foram
comprometidas?
Não se pode falar de transparência, pois o Tribunal Supremo Eleitoral, desde o momento em que a eleição começou, no ano passado, com as primárias, levou adiante irregularidade atrás de irregularidade, cumprindo ordens do governo. Então, chegamos ao dia da eleição e o compromisso de que o TREP nos daria 100% dos resultados não foi cumprido. A interrupção dos dados levou a uma manipulação. O que era uma diferença de 7% foi alterada ao reabrir-se imediatamente a recontagem dos votos, ampliando-a de modo significativo. Há também uma série de provas vinculadas de diversas irregularidades que apresentaremos oportunamente.
Que ações o senhor pretende tomar em relação a essa suposta manipulação eleitoral?
Não temos outro caminho a não ser a mobilização democrática, pacífica e não violenta, que seja expressada nas ruas, pois o governo não entende outra linguagem. Ele (governo) renunciou a aceitar a decisão popular, a qual deveria ter assumido desde o momento em que o eleitor optou pelo segundo turno, o qual o governo pretende bloquear.
Evo Morales insiste que a Bolívia se desenvolveu mais que outros países da América do Sul e, por isso, merece o quarto mandato...
Considerações sobre sucessos, fracassos, êxitos ou erros do governo de Evo Morales absolutamente nada têm a ver com o processo eleitoral. O eleitor é quem dá a palavra, e a opinião que o governo possa ter sobre o desenvolvimento ou o desempenho econômico é absolutamente irrelevante nas eleições nacionais.
Morales acusou o senhor e a direita de realizarem um golpe de Estado na Bolívia. Qual a sua resposta?
O presidente Morales disse, por cerca de 15 vezes nos últimos anos, que enfrenta um processo de golpe de Estado. Quem tem vulnerado sistematicamente a Constituição e a ordem do Estado de direito é o presidente. Ao permitir que seja habilitado, ilegitimamente e ilegalmente, depois de perder um referendo, ele viola a Constituição. O presidente, como todos sabem aqui e fora da Bolívia, controla os quatro poderes do Estado reconhecidos pela Constituição bolivariana. Qualquer manual básico de direito diz que, quando alguém, de maneira ilegítima, controla um só poder, está vulnerando a Constituição e levando a cabo um golpe. (RC)