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Antes mesmo de anunciados oficialmente, os resultados da eleição presidencial de domingo colocam a Bolívia às portas de uma grave crise política, com potencial explosivo, e sob as suspeitas da Organização dos Estados Americanos (OEA), que marcou para hoje uma reunião extraordinária para analisar as denúncias de fraude feitas pela oposição. Na noite de segunda-feira, depois de quase 24 horas de interrupção no processo de apuração, o Organismo Eleitoral Plurinacional (OEP) divulgou números correspondentes a 95% dos votos, apontando para a reeleição em primeiro turno do presidente Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS), que disputa o quarto mandato consecutivo. Na véspera, a totalização de 84% das urnas indicava a necessidade de segundo turno entre ele e o principal candidato da oposição, Carlos Mesa ; que se recusa a reconhecer como legítima a vitória do primeiro indígena a governar o país.
A reviravolta alimentou uma onda de protestos violentos e distúrbios nas principais cidades do país. Desde segunda-feira, opositores de Morales incendiaram os tribunais eleitorais regionais em Sucre (sudeste) e Potosí (sudoeste), enquanto manifestantes enfrentavam a polícia na capital, La Paz, e em Oruro (sul). O presidente, que chegou a comemorar a reeleição com seus correligionários na noite anterior, ontem não fez pronunciamentos nem apareceu em público. A oposição, reforçada por sindicatos de trabalhadores, entidades empresariais e comitês cívicos, convocou para hoje novos protestos e uma paralisação das atividades em escala nacional e por tempo indeterminado.
;Não vamos reconhecer esses resultados, que são parte de uma fraude consumada de maneira vergonhosa, que coloca a sociedade boliviana em uma situação de tensão desnecessária;, declarou Mesa à imprensa em Santa Cruz, reduto oposicionista no leste do país, próximo à fronteira com o Brasil. Segundo a contagem rápida, Morales vencia na noite de domingo com cerca de 45% dos votos, contra 38% de Mesa. Na parcial seguinte, a diferença passou a ser de 46,87% contra 36,73%. Para vencer em primeiro turno, é preciso ter mais de 50% dos votos ou um mínimo de 40%, desde com mais de 10 pontos de vantagem sobre o segundo colocado.
;O tribunal eleitoral fraudou a apuração e deu 10 pontos de diferença (para o presidente), acusou o candidato da Comunidade Cidadã, que presidiu o país entre 2003 e 2005. ;Agora, imagino que vão aumentar isso para consumar um roubo eleitoral inaceitável.;
;Vamos à greve até quando vocês determinarem;, anunciou Luis Fernando Camacho, líder do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz. O sindicato dos médicos, que manteve uma greve de mais de um mês por reivindicações trabalhistas, comandou uma marcha em direação ao Tribunal Supremo Eleitoral (TSE), em La Paz. ;Pedimos democracia;, disse seu líder, Luis Larrea. A influente plataforma civil Conade, que aglutina comitês cívicos de todo o país, anunciou uma campanha de ;resistência civil; caso seja oficialmente proclamada a vitória de Morales. Diante do clima de violência, a Igreja Católica pediu ;paz e serenidade; e chamou o TSE a ;cumpra seu dever de árbitro imparcial;.
Auditoria
A pedido de Brasil, Canadá, Colômbia, Estados Unidos e Venezuela (representada pelo presidente interino proclamado pela oposição, Juan Guaidó), a OEA convocou para hoje, em Washington, uma sessão do Conselho Permanente, integrado pelos embaixadores dos países-membros. Em resposta, o governo boliviano enviou carta ao secretário-geral do organismo, Luis Almagro, solicitando que envie a La Paz, ;o mais rapidamente possível;, uma missão técnica encarregada de ;auditar uma a uma as atas das eleições;. ;Interessa a nós que todo o processo tenha a transparência necessária;, disse à imprensa o chanceler Diego Pary.
"Não vamos reconhecer esses resultados, que são parte de uma fraude consumada de maneira vergonhosa;
Carlos Mesa, candidato de oposição à Presidência
Análise da notícia
Fantasma
venezuelano
; Silvio Queiroz
O impasse em torno das eleições presidenciais de domingo projeta sobre a Bolívia a sombra de uma crise nos moldes da que paralisa a Venezuela desde janeiro, quando a oposição local obteve o apoio de governos vizinhos para contestar a legitimidade do segundo mandato no qual foi empossado o presidente Nicolás Maduro, herdeiro político de Hugo Chávez. Embora siga um caminho próprio, Evo Morales coleciona afinidades com o chavismo ; e, não por acaso, seu governo está entre os que reconhecem as autoridades de Caracas e rechaçam a pressão exercida, entre outros, por Brasil, Argentina e Colômbia.
Os três carros-chefes da ecoomia sul-americana formam o núcleo do Grupo de Lima, articulação diplomática entre governos da América que coordena os esforços para afastar Maduro e reconhece como presidente interino da Venezuela o líder oposicionista Juan Guaidó. É um representante de Guaidó quem ocupa a cadeira correspondente ao país na Organização dos Estados Americanos (OEA), acionada para examinar as denúncias de fraude da oposição boliviana contra Evo Morales.
A eventual proclamação do atual presidente como vencedor pode reproduzir no vizinho andino o quadro que se arrasta na ex-potência petroleira e abrir mais um foco de tensão no subcontinente, em plena reta final para eleições igualmente polarizadas na Argentina e no Uruguai, no próximo domingo.