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Avanço contra o câncer de mama mais agressivo

Combinada com a químio, imunoterapia melhora a resposta ao tratamento e reduz o risco de retorno do tumor triplo negativo. Resultado inédito traz esperança para o combate ao subtipo da doença que atinge principalmente jovens mulheres


Doença mais comum entre as mulheres no Brasil e no restante do mundo, o câncer de mama consiste, na verdade, em enfermidades com causas, tratamentos e prognósticos diferentes. Enquanto os tumores descobertos no início têm 100% de chance de cura, os avançados e metastáticos reduzem significativamente esse percentual, caso também do chamado triplo negativo, que não responde às terapias padrão. Porém, nos últimos 30 dias, foram apresentados resultados de estudos promissores, que aumentaram a sobrevida global e livre de progressão (quando o câncer estaciona), trazendo esperança de que as estatísticas fiquem cada vez mais positivas.

Um dos mais esperados em 2019 era a fase 3 do ensaio clínico Keynote-522. Trata-se da última etapa da pesquisa de uma substância e, comprovada a eficácia, ela já pode entrar no mercado. Os estudos anteriores da molécula pembrolizumab para tratamento do câncer de mama triplo negativo inicial haviam sido recebidos com entusiasmo pela comunidade médica, que aguardava o desfecho bem-sucedido da terapia, apresentado no fim de setembro no Congresso da Sociedade Europeia de Oncologia Clínica (Esmo), em Barcelona.

Essa foi a primeira vez que se divulgou o resultado da fase 3 de uma imunoterapia para o câncer de mama triplo negativo inicial ; a abordagem de estimular as células do paciente para lutar com mais eficácia contra tumores malignos tem sido bem-sucedida para vários outros cânceres. O Keynote-522 mostrou que, combinado à quimioterapia, o tratamento melhorou a sobrevida livre de progressão da doença e, por isso, muitos médicos sugeriram que o protocolo já seja adotado para pacientes que se encaixam no perfil ideal.

O câncer de mama triplo negativo é o subtipo mais agressivo dessa doença e, no geral, atinge mais jovens mulheres. Hoje, a terapia padrão é quimioterapia seguida de cirurgia para remover o tumor. O objetivo é conseguir uma resposta patológica total: ou seja, a retirada de todas as células cancerosas. Mulheres com essa resposta têm de 85% a 90% de chance de cura, enquanto que, no caso das com tecido tumoral residual, há um risco de 40% a 50% de a doença voltar, o que normalmente ocorre dentro de três anos.

Os resultados do Keynote-522 indicaram que pacientes que receberam quimioterapia e imunoterapia com a substância pembrolizumab antes de serem submetidas à cirurgia tiveram 14,2% mais chances de apresentar resposta completa, comparadas às do grupo placebo (da terapia padrão). Para as pacientes, isso significa um aumento na possibilidade de responder quase 100% ao tratamento e reduzir o risco de retorno da doença.

;Do ponto de vista clínico, é um percentual clinicamente relevante;, explica Peter Schmid, autor do estudo e pesquisador da Queen Mary University of London. ;A melhora na reposta patológica se traduziu em menos recorrências;. Nas pacientes que não expressam a proteína PD-L1 no tumor, o resultado foi melhor: 45,3% do grupo pembrolizumab tiveram resposta total, contra 30,3% da quimioterapia apenas, uma diferença de 18,4%.

Sem progressão

Como o câncer de mama triplo negativo é agressivo e, normalmente, volta cedo, os pesquisadores também fizeram uma análise da sobrevida livre de progressão da doença, ou seja, quanto tempo a paciente vive sem que o câncer avance. Os dados ainda são preliminares, mas mostraram que, no grupo da imunoterapia combinada à químio, as estatísticas são melhores. ;Embora iniciais, esses dados fornecem um sinal forte de que essa abordagem previne a recorrência do câncer de mama. Se prevenimos a recorrência, nós curamos mais pacientes, mas ainda precisamos de confirmação em longo prazo;, ressalta Schmid.

;O câncer de mama triplo negativo representa 15% de todos os tumores mamários. Ele representa uma necessidade médica não atendida, já que a única terapia aprovada nos estágios iniciais é a químio. Esse estudo pode ter um grande impacto no tratamento dessas pacientes;, avalia Fabrice André, pesquisador do Instituto Gustave Roussy, que não participou do estudo. Para ele, os resultados já justificam a aprovação do tratamento como padrão nas agências de regulação de medicamentos.