Hong Kong. Durante confronto com as forças de segurança, Tsang Chi Kin, 18 anos, tentou golpear um agente com um pedaço de pau. O policial reagiu e atirou à queima-roupa contra o peito do manifestante, que lutava pela vida até a noite de ontem. Em um vídeo divulgado pela internet, ele aparecia deitado no chão, gritando: ;Levem-me ao hospital, meu peito está doendo, preciso ir ao hospital;. Foi o primeiro disparo com arma de fogo em quase quatro meses de revolução. ;O policial atirou após ser atacado e atingiu uma pessoa no peito (...);, afirmou uma fonte de segurança que pediu anonimato. Pelas ruas da ex-colônia britânica, barricadas improvisadas ardiam em chamas, lojas eram vandalizadas, enquanto civis caminhavam, aturdidos, em meio ao caos. No ;Dia da Dor;, mais de 180 pessoas foram presas e 66 ficaram feridas, 31 delas tiveram de ser hospitalizadas. Além de Tsang Chi, o estado clínico de outro cidadão era ;crítico;.
Pequim. A 1.965km dali, ao norte, o presidente da China, Xi Jinping, comandava uma parada militar marcada pela coreografia meticulosamente sincronizada de milhares de soldados e pela exibição de armamentos avançados. ;Nada pode fazer com que os pilares da nossa grande nação sejam abalados. Nada pode impedir que a nação e o povo chineses avancem;, declarou Xi, na Praça Tiananmen (;Paz Celestial;), ao celebrar o 70; aniversário da fundação da China Comunista por Mao Tsé-tung. Parecia uma mensagem para os moradores de Hong Kong.
Um deles, o assistente social Chang Ching Wa Jonathan, 54, saiu às ruas de Hong Kong para protestar contra o controle do Partido Comunista Chinês (PCC) e denunciar uma violação do modelo ;um país, dois sistemas;. ;Eu estive pessoalmente envolvido nas manifestações desta tarde, as quais foram menos conflituosas no começo. Mais de 100 mil ativistas surgiram e rapidamente romperam as linhas policiais, deixando os agentes sem ação. No fim da tarde, quando tomamos conhecimento do disparo contra Tsang Chi Kin, a atmosfera ficou amarga, e a polícia se tornou mais agressiva. Era possível ver famílias com crianças nas ruas. À noite, eu escapei por pouco de uma explosão de canhão d;água;, relatou ao Correio um dos sobreviventes do massacre da Praça da Paz Celestial, em 4 de junho de 1989. Diante do escritório de representação da China em Hong Kong, manifestantes arremessaram ovos contra um retrato de Xi e retiraram cartazes alusivos ao 70; aniversário do regime comunista.
Sob condição de anonimato, outro manifestante avisou: ;Quanto mais repressão o governo colocar sobre nós, mais ações de rebeldia nós tomaremos;. Segundo ele, não existe meios de retroceder. ;A única coisa que nos fará interromper os protestos contra Carrie Lam (chefe do Executivo, subalterna a Xi Jinping) é o cumprimento de nossas demandas;, disse à reportagem, em referência a uma investigação independente sobre a violência cometida pelas forças de segurança; anistia para os presos políticos; o fim do uso da palavra ;amotinados; para classificar os ativistas; e a instauração do sufrágio universal direto na cidade. ;A polícia de Hong Kong tem abusado do poder contra os cidadãos e os jornalistas. Esse tipo de ação está interferindo na liberdade de associação;, afirmou.
O ativista contou ter visto policiais detendo várias garotas indefesas e usado gás lacrimogêneo e spray de pimenta. ;Eu creio que as pessoas em Hong Kong aumentarão as ações contra o governo. Nós temos uma forte crença na liberdade e na democracia. Tentamos permitir que o mundo saiba o que está ocorrendo em Hong Kong e na China, e esperamos poder ampliar a consciência da comunidade internacional para punir a ditadura totalitária.;
Investigação
Por meio de nota, o diretor da Anistia Internacional em Hong Kong, Man-Kei Tam, declarou que o disparo contra um manifestante na cidade ;marca um desenvolvimento alarmante na resposta da polícia aos protestos;. ;Nós apelamos às autoridades de Hong Kong para lançarem uma investigação urgente e eficiente sobre a sequência de eventos que levaram um adolescente a lutar por sua vida no hospital;, disse. ;Pedimos que revisem urgentemente a abordagem no policiamento dos protestos, a fim de desescalar a situação e impedir que mais vidas sejam colocadas em risco.;
Também sobrevivente da matança em Tiananmen, a artista plástica Rose Tang ; que morou por oito anos em Hong Kong e hoje vive em Nova York ; teme a intensificação das medidas repressivas por parte da polícia. ;O comissário de polícia Stephen Lo admitiu hoje (ontem) que a decisão tomada pelo agente de balear o adolescente era ;a mais razoável, mais apropriada e mais legal;. Isso significa que Pequim e o governo de Hong Kong decidiram por mais assassinatos e por reprimir a rebelião a qualquer custo. É da natureza do Partido Comunista Chinês matar;, afirmou ao Correio. ;O uso de munição letal em quatro pontos diferentes de Hong Kong, por parte da polícia, indica que o massacre em Hong Kong oficialmente começou.;
;Nada pode fazer com que os pilares da nossa grande nação sejam abalados. Nada pode impedir que a nação e o povo chineses avancem;
Xi Jinping, presidente da China
Eu acho...
;A violência de hoje (ontem) certamente galvanizará o movimento. Mas as consequências mais terríveis são as seguintes: como o próprio chefe de polícia oficialmente tolera o uso de munição letal, as forças de segurança não hesitarão mais em atirar para matar. Eu espero que eventualmente veremos mais mortes e um padrão de escalada da supressão letal e da violência.;
Chan Ching Wa Jonathan, 54 anos, morador de Hong Kong e sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial
;Espero que mais moradores de Hong Kong se rebelem. Morei lá por oito anos, onde atuei como jornalista entre 1997 e 2003. As pessoas da ex-colônia britânica são muito resilientes. Elas seguirão protestando e inventando mais. Espero mais batalhas de rua.;
Rose Tang, 50 anos, sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial. Hoje vive em Nova York
Firmeza no poder
Confira a evolução através do tempo do Partido Comunista Chinês (PCC), que fundou a República Popular da China em 1; de outubro de 1949:
Maoísmo no governo
Durante quase três décadas, a China teve seu estilo próprio do governo: o maoismo. Sob o regime do fundador da República Popular da China, Mao Tsé-tung (foto), o Estado assumiu o controle das indústrias, enquanto os estabelecimentos agrícolas e as granjas foram coletivizados.
A ;Grande Fome;
O Grande Salto Adiante de 1958 ; reorganização maciça do trabalho para impulsionar a produção agrícola e industrial ; acabou matando de fome dezenas de milhões de pessoas.
Revolução Cultural
Em 1966, Mao lançou a Revolução Cultural. O movimento esmagou os adversários políticos e culminou em um desastre, devido aos excessos cometidos pela Guarda Vermelha.
Abertura econômica
Dois anos depois da morte de Mao, o PCC abandonou o maoísmo e pôs em marcha, em 1978, a política de ;abertura e reforma;, sob a liderança de Deng Xiaoping. A economia cresceu, após uma série de medidas pró-mercado, que permitiram os investimentos externos e o capital privado. Milhões de pessoas saíram da pobreza.
Controle estrito
Neste ;socialismo com características chinesas;, é possível ver Ferraris nas ruas das grandes cidades e os mais abastados compram em lojas de luxo, como Gucci. Mas uma coisa não mudou: o Partido Comunista mantém as rédeas da economia. O presidente chinês, Xi Jinping (foto), deixou claro que os históricos feitos do país ;demonstram por completo que só o Partido Comunista pode liderar a China;. ;Células; do PCC estão presentes nas companhias privadas. As empresas nas mãos do Estado permanecem como atores principais na economia.
A filosofia Mao/Xi
Xi se tornou o líder mais poderoso desde Mao e se beneficiou do culto à personalidade. O fundador do país teve o Pensamento Mao Tsé-Tung. O atual líder consagrou na Constituição o Pensamento Xi Jinping sobre o Socialismo com Características Chinesas para uma Nova Era.
Combate à corrupção
Xi supervisou a linha dura contra a corrupção que castigou 1,5 milhão de responsáveis do PCC, medida vista por analistas como expurgo de rivais.