Uma lei aprovada pelo parlamento britânico dá prazo ao governo até o próximo dia 17, quando se reúnem os chefes de Estado e governo da União Europeia (UE), para que seja apresentado um acordo viável para que o Reino Unido saia do bloco no prazo fatal de 31 de outubro ; praticamente daqui a um mês. O primeiro-ministro Boris Johnson, que chegou ao cargo prometendo consumar o Brexit na data prevista, por bem ou por mal, insiste em que não pedirá novo adiamento, ao contrário do que prevê a legislação votada pela Câmara dos Comuns. E o comando político da UE, em Bruxelas, aguarda até esta quinta-feira uma ;proposta factível; de Londres para rever os termos do acordo fechado pela antecessora imediata de Johnson, Theresa May, mas rejeitado três vezes pelos deputados.
A data fixada pelos ;eurocratas;, como são chamados pelos adversários, não é de todo arbitrária. Embora esteja exatamente duas semanas antes do prazo fatal, o limite fixado pela UE obedece às conveniências internas de Johnson: na quinta-feira, estará encerrada a Conferência Nacional do Partido Conservador. A essa altura, o que se espera, do outro lado do Canal da Mancha, é que o premiê tenha uma solução amarrada com o próprio partido. Embora não sejam majoritários na Câmara dos Comuns, os tories, como são chamados no país, têm sido o fator principal de impasse na decisão sobre o Brexit ; a ponto de tornar inviável a permanência de Theresa May.
;Se a coisa falhar, no fim, a responsabilidade é exclusivamente do lado britânico;, advertiu na semana Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia (CE, braço executivo da UE), ao fim de uma reunião com o premiê, na semana passada. Johnson procurou exibir confiança, em meio às turbulências políticas internas com a decisão da Justiça que reconvocou o parlamento, colocado em recesso por iniciativa do premiê até as vésperas da cúpula europeia do dia 17, mas terminou a semana sem ter convencido o comando europeu de que será capaz de encontrar uma saída em tempo.
;Não houve avanço e não temos mais tempo a perder;, disse o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, após reunir-se com Johnson, em Nova York, à margem da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Em tom semelhante, o chefe da equipe de negociadores da UE, o francês Michel Barnier, não escondeu a contrariedade com os resultados de uma primeira rodada de encontros com o novo governo britânico, representado pelo ministro extraordinário para o Brexit, Stephen Barclay.
Tempo escasso
Aparentemente, Londres apresentou apenas a demanda ; recusada repetidas vezes ; de que seja retirada do acordo a cláusula que prevê um sistema alfandegário transitório entre o território britânico da Irlanda do Norte e a República da Irlanda, que permanece na UE. A fronteira interirlandesa é tema sensível no contexto do acordo de paz entre o Reino Unido e o Exército Republicano Irlandês (IRA). ;Tenho certeza de que vocês entendem que isso (a retirada da ;cláusula irlandesa;) é inaceitável;, disse Barnier.
Barclay, em resposta, enfatizou que o processo do Brexit entra nesta semana ;na hora da verdade; e cobrou de Bruxelas disposição para um meio-termo. ;Estamos comprometidos com a meta de assegurar um acordo, o primeiro-ministro deixou claro que quer uma solução;, afirmou o responsável pelo tema em Londres. ;Mas é preciso que haja vontade política de ambas as partes, e é isso que estamos tratando de verificar.;
;O relógio continua andando, e depois de quinta-feira restará muito pouco tempo ;, reforçou um diplomata europeu, citado pelo jornal britânico The Guardian. Fazendo coro com Barnier, que excluiu taxativamente a ideia de aceitar ;miniacordos; em torno de pontos isolados, esse funcionário resumiu o estado de ânimo em Bruxelas e nas demais capitais europeias. ;O principal obstáculo continua sendo a ausência de propostas sérias e factíveis do lado britânico;, criticou. Outro diplomata foi ainda mais claro quanto às expectativas em torno de uma solução para o impasse. ;Houve pouca ou nenhuma evolução no parlamento (britânico), a não ser a evidência de que é cada vez mais difícil vislumbrar uma maneira de o governo construir maioria para aprovar um acordo, com as divisões mais profundas a cada dia que passa.;
;Se a coisa falhar, no fim, a responsabilidade é exclusivamente do lado britânico;
Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia
;O primeiro-ministro (Boris Johnson) deixou claro que deseja um acordo, mas é preciso que haja vontade política de ambas as partes;
Stephen Barclay, ministro britânico para o Brexit
As opções do premiê
Boris Johnson promete se pautar pela lei que obriga o governo a pedir adiamento, na falta de acordo
Acordo
A primeira opção para o chefe de governo é fechar um acordo sobre o Brexit com a UE dentro do prazo previsto por lei do parlamento britânico ; 17 de outubro, quando os governantes europeus se reúnem. A dificuldade é encontrar uma saída que seja aceita por Bruxelas e contemple a maioria do parlamento, que por três vezes recusou a fórmula negociada pela premiê Theresa May.
Contornar a lei
O chefe de governo pode seguir a letra da lei aprovada no parlamento e enviar carta à União Europeia pedindo novo adiamento, na falta de um acordo, mas acrescentar uma segunda notificação na qual explicaria que seu governo não deseja prorrogar o prazo. O risco da manobra é ser interpretada, pela Justiça britânica, como uma manobra para contornar as obrigações legais.
Renúncia
Johnson poderia renunciar, em caso de não obter um acordo em tempo hábil, para não tomar para si o ônus de pedir o adiamento ; algo que rejeitou de maneira taxativa na disputa pelo cargo. Dessa maneira, se apresentaria em uma nova eleição como uma espécie de ;mártir; do Brexit. O risco é que a oposição componha um governo estável e afaste a possibilidade de eleições no curto prazo.
Demissão
A oposição pode afastar Johnson por voto de desconfiança, por maioria absoluta, que não dependeria de deserções na bancada conservadora (governista). Até aqui, porém, a oposição descarta a opção enquanto não garantir
que o país não sairá da UE em 31 de outubro sem um acordo de ;divórcio;.
Lei de emergência
Uma lei de 2004, aprovada sob governo trabalhista, prevê que o governo possa declarar uma emergência, em situação de crise aguda, e exercer poderes executivos sem consultar o parlamento. Nessas condições, o premiê poderia ;atropelar; a lei que veta o Brexit sem acordo ou dissolver o parlamento e convocar novas eleições. Teria, porém, problemas para fundamentar a medida.