Presidente da França por 12 anos, duas vezes primeiro-ministro e três vezes prefeito de Paris, Jacques Chirac morreu ontem, aos 86 anos, encerrando um capítulo da história da direita do país e da V República. Um dos líderes mais longevos da história francesa recente, criou e liderou um partido político e foi ministro em várias oportunidades. ;Foi um grande francês, livre. Um homem de Estado que amávamos tanto quanto ele nos amava;, sintetizou o presidente Emmanuel Macron, em um discurso transmitido pela televisão.
Na longa trajetória, equilibrou-se entre sucessos brilhantes e fracassos amargos, diante dos quais demonstrou uma excepcional capacidade de sobreviver politicamente. Chirac chegou ao Palácio do Eliseu, sonho de vida, em 1995, depois de duas candidaturas malsucedidas (1981 e 1988) contra o socialista François Miterrand. Internamente, teve como um dos momentos mais marcantes o reconhecimento do Estado francês por crimes nazistas. Foi ele também que decidiu pelo fim do recrutamento militar obrigatório.
No cenário internacional, sua passagem pela Presidência será sempre lembrada pelo ;não; à segunda guerra do Iraque iniciada pelos Estados Unidos, citado ontem por Macron. ;É o símbolo de uma França independente e orgulhosa, capaz de rejeitar uma intervenção militar injustificada;, afirmou o presidente francês. Em 2002, Chirac fez um contundente alerta sobre a degradação ambiental no mundo. ;Nossa casa está queimando;, advertiu.
Em contrapartida, ele foi o primeiro presidente da V República a ser condenado pela Justiça francesa. Em 2011, foi sentenciado a dois anos de prisão com suspensão condicional da pena por um caso de funcionários fantasmas, episódio ocorrido quando era prefeito de Paris. Deixou o poder em 2007, com a saúde debilitada em razão de um acidente vascular cerebral (AVC) sofrido dois anos antes.
O ex-presidente não aparecia em público há vários anos. A última foi em novembro de 2014, no Museu Quai-Branly de Paris, que foi rebatizado em sua homenagem. Frágil, mas sorridente, estava ao lado de um de seus sucessores, o socialista François Hollande. Ironia da história, o ex-chefe do partido Reunião pela República (RPR) havia declarado três anos antes que votaria em Hollande para a presidência, em detrimento de Nicolás Sarkozy, que buscava a reeleição. ;É uma parte da minha vida que desaparece hoje;, disse Sarkozy, que foi ministro de Chirac e que mantinha relações tumultuadas com ele.
Condolências
Um minuto de silêncio foi observado na Assembleia Nacional e no Senado, depois que o falecimento de Chirac foi oficialmente anunciado. Em homenagem ao ex-presidente, segunda-feira será um dia de luto nacional na França e uma missa solene será celebrada na igreja parisiense de Saint Sulpice, informou o Palácio do Eliseu, que abrirá as portas excepcionalmente até domingo para quem quiser expressar suas condolências.
Após a divulgação da notícia, líderes do mundo inteiro se manifestaram. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, disse estar ;devastado; pela morte de um ;grande amigo;.
A chanceler alemã, Angela Merkel, elogiou o ;formidável parceiro e amigo;, enquanto o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se referiu a Chirac como um líder ;sábio e visionário;. Amigo próximo do ex-presidente francês, o primeiro-ministro libanês, Saad Hariri, o chamou de um ;dos maiores homens da França;.
;O presidente Chirac foi um amigo meu e amigo do Brasil. Estadistas com sua visão, capazes de dialogar com líderes de pensamentos diferentes (...) fazem muita falta;, disse o ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.
Muito popular depois de deixar o poder, Jacques Chirac nem sempre teve o apoio de seus concidadãos. Após sua derrota em 1988 contra Miterrand, sua esposa Bernadette afirmou que ;os franceses não amam meu marido;. Vinte e sete anos depois, uma pesquisa mostrou que os franceses o consideravam o presidente ;mais simpático;, muito à frente do socialista Mitterrand, o líder francês mais longevo do pós-guerra, e de Charles de Gaulle.
A causa da morte não foi divulgada. ;O presidente Jacques Chirac faleceu esta manhã, ao lado de seus entes queridos e em paz;, anunciou seu genro Frederic Salat-Baroux. Chirac teve duas filhas, Laurence, anoréxica desde a juventude e falecida em abril de 2016, e Claude, que era sua assessora de comunicação.
;Jacques Chirac foi grande francês, livre. Um homem de Estado que amávamos tanto quanto ele nos amava;
Emmanuel Macron, presidente da França
Datas
marcantes
Destaques na vida pessoal e na carreira política de Jacques Chirac
; 29 de novembro de 1932: nascimento em Paris
; 1956-57: serviço militar na Argélia
; 1967: eleito deputado de Corr;ze (sudoeste). Reeleito até 1995
; 1971-1974: ministro várias vezes
; 1974: primeiro-ministro de Valery Giscard d;Estaing.
; 1976: renuncia e funda o partido Reunião para a República (RPR).
; 1977: eleito prefeito de Paris, reeleito duas vezes
; 1981: derrotado por Valéry Giscard d;Estaing no primeiro turno da corrida presidencial, vencida pelo candidato socialista François Mitterrand
; 1986: primeiro-ministro
; 1988: derrotado na corrida presidencial por François Mitterrand
; 1995: eleito presidente em disputa contra o socialista Lionel Jospin. No mesmo ano, foi o primeiro presidente francês a reconhecer a responsabilidade do país na deportação de judeus sob a ocupação nazista.
; 1996: decreta o fim definitivo dos testes nucleares franceses depois de autorizar uma última campanha no ano anterior em Mururoa, na Polinésia Francesa. Em visita a bairros árabes de Jerusalém, protesta contra a atitude dos serviços de segurança israelenses.
; 1997: início da coabitação, Lionel Jospin nomeado primeiro-ministro
; 2002: reeleito presidente contra o líder de extrema-direita Jean-Marie Le Pen. No desfile de 14 de julho, um militante de extrema-direita tenta assassiná-lo. No mesmo ano, fez um alerta sobre o aquecimento global:
;Nossa casa está queimando;
; 2003: líder do ;campo da paz; contra a guerra no Iraque, desejada pelos Estados Unidos
; 2005: sofre acidente vascular cerebral (AVC)
; 2011: condenado a dois anos de prisão com suspensão da pena em um caso de empregos fantasmas na prefeitura de Paris. Torna-se, assim, o primeiro ex-presidente francês condenado pela Justiça
; 2016: Morre de sua filha mais velha, Laurence