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Escalada de tensão

Autoridades americanas revelam que mísseis de cruzeiro lançados do sudoeste do território iraniano atingiram as duas principais instalações petrolíferas da Arábia Saudita. Riad convida ONU a investigar atentados e se diz capaz de retaliar agressões

Fontes do governo dos Estados Unidos confirmaram à agência de notícias France-Presse (AFP) e a veículos da imprensa norte-americana que os ataques contra as duas maiores instalações petrolíferas da Arábia Saudita partiram do sudoeste do Irã. Mísseis de cruzeiro atingiram, no último sábado, Abqaiq e Khurais ; respectivamente o principal centro de processamento de petróleo do mundo e um importante campo de extração de petróleo no leste do país. De acordo com as mesmas fontes, as defesas aéreas sauditas fracassaram em interceptar os drones e os mísseis, pois estavam apontadas para o sul, ironicamente para tentarem prevenir uma ofensiva dos rebeldes huthis (xiitas) a partir do Iêmen.

A Arábia Saudita, que lidera uma coalizão militar contra os huthis, classificou os atentados como ;covardes;, culpou o Irã, convidou especialistas da Organização das Nações Unidas para investigarem os locais alvejados e assegurou ter condições de retaliar. Os incidentes interromperam em 5% o suprimento de petróleo mundial e levaram a um corte de 5,7 milhões de barris diários do combustível. Ontem, o ministro da Energia da Arábia Saudita, príncipe Abdulaziz bin Salman, garantiu que os níveis de produção foram retomados aos mesmos de antes dos ataques.

Se o presidente norte-americano, Donald Trump, se manteve ontem em silêncio sobre o assunto, o vice reforçou as ameaças feitas pelo magnata na véspera. ;Na sequência dos ataques não provocados deste fim de semana a várias instalações de petróleo da Arábia Saudita, eu prometo a vocês: estamos prontos. Os Estados Unidos estão preparados, estamos aptos a disparar e carregados (de armas). Estamos prontos a defender os nossos interesses e nossos aliados na região. Não se enganem sobre isso;, escreveu Mike Pence em seu perfil no Twitter. Ele lembrou que a campanha de máxima pressão contra o regime iraniano está funcionando. ;Se o Irã conduziu esse ataque para forçar o presidente a recuar, eles fracassarão;, avisou. Pence acrescentou que o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, embarcou ontem para Riad com a missão de avaliar a ;resposta; aos ataques do último fim de semana.

A saudita Eman Alhussein, especialista do Conselho Europeu sobre Relações Exteriores (ECFR, pela sigla em inglês), afirmou ao Correio que tanto a Arábia Saudita quanto os Estados Unidos estão convictos do envolvimento de Teerã nos bombardeios a Abqaiq e Khurais. Ela acredita que a visita de Pompeo à Arabia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos pode costurar uma reação mais coerente e unificada. ;No entanto, como os dois países não são favoráveis a um confronto militar, a retaliação pode se limitar a um crescente isolamento do Irã ou à imposição de novas sanções econômicas;, observa. Alhussein explicou que a precisão dos ataques levaram muitos a apontarem o dedo para Teerã. ;Ações militares anteriores dos rebeldes huthis contra a Arábia Saudita não foram tão precisos, nem ocorreram em tamanha larga escala, como se viu em Abqaiq.;

Vulnerabilidade
De acordo com a estudiosa do ECFR, os bombardeios evidenciaram a vulnerabilidade da infraestrutura econômica da Arábia Saudita e demonstram a importância da estabilidade do Golfo Pérsico para a economia mundial. Por sua vez, Antoine Halff ; pesquisador do Centro sobre Política Energética Global da Universidade de Columbia (em Nova York) ; admitiu à reportagem o perigo de uma escalada bélica na região e comentou que algumas das autoridades dos EUA e da Arábia Saudita defenderão uma ação militar. ;Mas, o risco seria muito alto. Por isso, não creio que esse seja o cenário mais plausível.;

Halff sublinhou que, durante décadas, a ameaça de destruição mútua impediu sauditas e iranianos de atacarem as instalações petrolíferas do inimigo. ;Existia uma percepção de que a infraestrutura de petróleo pertencente a Riad estava bem protegida contra agressões por via terrestre ou aérea. As sanções internacionais ao petróleo iraniano removeram essas inibições, e os ataques demonstraram a fraqueza dos sistemas de defesa da Arábia Saudita;, pontuou. Ante o fracasso em resguardar suas instalações, Halff crê que Riad tem a exata noção de que uma guerra implicaria riscos imensos para a própria infraestrutura petrolífera e para a economia mundial. ;Não há capacidade disponível, em lugar algum do planeta, para substituir os barris sauditas. As reservas estratégicas também não são um substituto viável, especialmente no caso de uma interrupção prolongada;, advertiu.


Aiatolá descarta qualquer conversa com Washington


De acordo com a agência de notícias estatal iraniana Irna, o aiatolá Ali Khamenei declarou que as autoridades iranianas não tomarão parte de qualquer conversa com os Estados Unidos, seja ela bilateral ou multilateral. A decisão foi anunciada durante um encontro com um grupo de acadêmicos e de estudantes de um seminário de ciências religiosas, em Teerã. ;Não devemos nos inclinar para os estrangeiros, não devemos depositar confiança em governos estrangeiros, não devemos confiar nas relações com os outros;, aconselhou o líder supremo do Irã. O aiatolá classificou de ;truque; o desejo dos EUA de retomarem negociações com o regime teocrático islâmico. ;Às vezes, defendem negociações sem pré-requisitos; outras vezes, falam em negociações com 12 condições. Tais comentários se devem à sua política turbulenta ou a um truque para confundir a outra parte. É claro que a República Islâmica não ficará confusa. O nosso caminho é claro, e sabemos o que estamos fazendo;, disse Khamenei. Em mais um indício da tensão entre Teerã e Washington, o presidente norte-americano, Donald Trump, disse ontem que prefere não se reunir com o homólogo iraniano, Hassan Rohani, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, na próxima semana.


Eu acho...

;A resposta inicial dos EUA, depois do ataque às instalações petrolíferas, se inclinava à escalada militar. O tom baixou, depois que Trump disse, anteontem, que os EUA não desejam um confronto. A chancelaria da Arábia Saudita divulgou uma declaração cautelosa e convidou a ONU a investigar os incidentes. Isso permite a Riad mais tempo para avaliar o curso das ações com aliados na região.;


Eman Alhussein, especialista saudita do Conselho Europeu sobre Relações Exteriores (ECFR, pela sigla em inglês)


;Os ataques colocam os EUA e a Arábia Saudita em posição desconfortável. Por um lado, há a necessidade de exibir firmeza e uma resposta muscular a esses incidentes gravíssimos. Por outro, há um desejo patente em Riad de evitar a guerra a qualquer custo. Esta é uma situação totalmente nova para o Oriente Médio e para a indústria pertrolífera.;


Antoine Halff, pesquisador do Centro sobre Política Energética Global da Universidade de Columbia (EUA)