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Democracia cultivada

Oito anos após a Primavera Árabe, que pôs fim à ditadura de Ben Ali, 7 milhões de pessoas vão às urnas, hoje, na segunda eleição democrática da história do país africano. Apesar da morte do presidente Béji Caïd Essebsi, a nação sobreviveu ao vácuo de poder


Ao contrário dos outros países, a tempestade da Primavera Árabe, entre 2010 e 2011, trouxe bons ventos à Tunísia desde a queda de Zine El Abidine Ben Ali e após duas décadas de ditadura. Hoje, mais de 7 milhões de tunisianos, incluindo 386.053 vivendo no exterior, estão aptos a participar de uma eleição presidencial pela segunda vez na história. Nem mesmo a morte do presidente Béji Ca;d Essebsi, em 25 de julho, conseguiu desvirtuar os rumos democráticos da política interna. O entusiasmo é tamanho que 98 candidaturas foram apresentadas, das quais 26 foram validadas pelas autoridades eleitorais. O novo chefe de Estado da Tunísia pelos próximos cinco anos terá uma série de desafios pela frente, entre eles a aceleração da economia, a redução do desemprego, o restabelecimento da confiança no governo e o combate à insegurança.

Diretor da Iniciativa Norte da África e especialista do Centro Rafik Hariri para o Oriente Médio do Atantic Council (em Washington), o líbio-italiano Karim Mezran afirmou ao Correio que considera as eleições de hoje ;extremamente importantes;. ;Elas serão as primeiras desde o acordo firmado entre o partido Nidaa Tounes, de Essebsi, e os dirigentes do partido Ennahda.; De inclinação islamita, o Ennahda deposita as esperanças em Abdelfatah Muru, um dos quadros moderados da legenda. Além de Muru, têm boas chances de vitória o magnata da mídia Nabil Karoui (do partido Qalb Tounes), preso em 23 de agosto sob acusação de lavagem de dinheiro; o primeiro-ministro Youssef Chahed, do partido vencedor em 2014, Nidaa Tounes; e o ex-ministro da Defesa Abdelkarim Zidi.

Para Mezran, o resultado das urnas tem significado secundário. ;No momento, não importa quem vencerá, mas como as eleições se desenvolverão. O mecanismo é muito mais importante do que o resultado em si, pois ele mostrará a maturidade do processo democrático da Tunísia;, comentou. Ao ser questionado sobre os prováveis fatores que influenciarão o voto, o estudioso admite que qualquer tunisiano apontaria as demandas econômicas. ;Muito precisa ocorrer na Tunísia antes que ela possa ser chamada de democracia liberal. Pelo menos existe uma direção a seguir.;



Mudanças

Mezran aposta em eleições ;bastante abertas;, que ;definirão o equilíbrio político em toda a Tunísia;. O especialista também reconhece que o país passou por várias transformações em oito anos de democracia. ;Algumas dessas mudanças somente podem ser sentidas por pessoas que visitam a Tunísia com frequência. A liberdade de expressão é uma conquista importante, com o surgimento de vários órgãos de imprensa. É claro que há grandes problemas no âmbito nacional, como o equilíbrio entre as forças políticas. Um dos principais temas é a falta de desenvolvimento econômico, ainda que seja preciso entender que houve um movimento na direção do progresso;, disse. Ele prevê que o Ennahda se consolidará como o maior partido, mas não descarta o triunfo em segundo turno de uma aliança contrária à legenda. Mezran não teme um aceno dos islamitas com a radicalização. ;O Ennahda é um movimento maduro. Ele não caminha pelo autoritarismo da Turquia ou do Egito.;

Youssef Chahed, de tendência liberal, chegou a desqualificar os adversários. Na quinta-feira, ele declarou à Rádio Mosa;que que somente três partidos contavam: o dele (Nidaa Tounes), o de Nabil Karoui (Qalb Tounes) e o Ennahda. ;O resto não existe;, disparou. Segundo a agência France-Presse, outros nomes podem surpreender, entre eles o advogado anti-islamita Abir Moussi; o ministro da Defesa, Abdelkarim Zbidi (centro); e Kais Saied (conservador independente). Mais de 60 observadores eleitorais devem trabalhar hoje na fiscalização do processo.


Raios X da votação

Quem são os candidatos
Das 98 candidaturas apresentadas, 26 foram validadas pela instância independente eleitoral, o mesmo número que em 2014. Três dos candidatos foram primeiros-ministros, incluindo o atual chefe de governo, Yusef Shahed. Oito, entre eles o próprio Shahed, foram membros, ou próximos do partido vitorioso em 2014, Nidaa Tounes.

Mulheres na disputa
São apenas duas: a advogada anti-islamita Abir Musi e a ex-ministra Salma Elumi.

Debutante
O partido islamita Ennadha se apresenta pela primeira vez à presidência, com Abdelfatah Muru, presidente interino do Parlamento, um partidário da abertura do movimento.

Os eleitores
As segundas eleições presidenciais por sufrágio universal desde a revolução de 2011 contam com mais de 7 milhões de votantes inscritos na Justiça Eleitoral.

O anúncio do vencedor
As eleições presidenciais, previstas para 17 de novembro, foram antecipadas para 15 de setembro, devido à morte do presidente Béji Ca;d Essebsi, em 25 de julho. A Constituição dá 90 dias ao presidente interino, Mohamed Ennaceur, para organizar as eleições. A data do segundo turno será divulgada após o primeiro e ocorrerá em um domingo antes de 25 de outubro. Segundo a ISIE, as datas prováveis são 6 de outubro, dia das legislativas, 13 de outubro, ou 20 de outubro. Os resultados serão conhecidos nos dias seguintes.