O governo de Londres insistiu em que "nada mudou", pois até o momento não foi emitida uma ordem de anulação. E afirmou que vai apelar ao Supremo Tribunal, que segundo analistas deve dar razão a Johnson, devido às diferenças entre os sistemas legais da Escócia e da Inglaterra.
As atividades nas duas câmaras do Parlamento britânico foram suspensas na madrugada de terça-feira, após um debate prolongado e acalorado sobre a saída da União Europeia (UE). Os trabalhos não devem ser retomados até 14 de outubro, duas semanas antes da data prevista para o Brexit.
Johnson justificou a decisão com a necessidade de elaborar e apresentar seu programa de política nacional, uma prática habitual quando acontece uma mudança de governo. Os opositores de um Brexit sem acordo denunciaram a medida, porém, como uma tentativa de atar as mãos dos legisladores.
Cercada de grande pompa, a tradicional cerimônia de suspensão foi boicotada pela grande maioria dos Lordes em sinal de protesto. Alguns deputados gritavam "vergonha", depois de denunciar um "ultraje constitucional".
Nesta quarta-feira, o tribunal de apelação de Edimburgo deu razão aos críticos de Johnson. Por unanimidade, os três juízes consideraram que a medida teve "como objetivo obstruir o Parlamento" e a declararam "ilegal", invalidando a sentença da semana passada de um tribunal de instância inferior.
Na ocasião, o juiz, interpelado por um grupo de 75 deputados de vários partidos, considerou que a decisão era parte do "domínio da política e não poderia ser avaliada com critérios legais, apenas políticos".
Supremo deve decidir
Esta é a primeira vitória judicial dos opositores à polêmica decisão de Johnson. Outras duas ações judiciais foram apresentadas em Belfast e em Londres. A primeira ainda está sendo examinada, enquanto a segunda, rejeitada na semana passada, será analisada pelo Supremo Tribunal em 17 de setembro.
Agora, o Supremo deve se pronunciar também sobre o caso de Edimburgo, em consequência do recurso apresentado pelo Executivo, que se declarou "decepcionado com a decisão".
"O governo do Reino Unido deve apresentar um programa legislativo nacional sólido. A suspensão do Parlamento é a forma legal e necessária de fazer isto", afirmou em um comunicado.
O analista jurídico David Allen Green considera provável que o caso fracasse no próximo estágio.
"A lei escocesa é diferente, às vezes muito diferente da lei da Inglaterra e de Gales. E isto inclui uma abordagem diferente em questões de Direito Constitucional", escreveu no Twitter.
Ele completou que, "por este motivo, a ação foi apresentada na Escócia, onde os juízes e a lei seriam muito mais receptivos".
Para a chefe do governo autônomo escocês, a independentista Nicola Sturgeon, "a decisão judicial de hoje tem um significado constitucional enorme" e o Parlamento deve "ser convocado de novo imediatamente para permitir que continue o trabalho essencial de escrutínio".
Um porta-voz de Downing Street destacou, porém, que, no momento, "nada mudou". Segundo ele, "não se deu nenhuma ordem de anular a suspensão antes da audiência do Tribunal Supremo de terça-feira".
As deliberações da principal instância judicial do país podem demorar vários dias.
Os britânicos decidiram abandonar a UE no referendo de junho de 2016, no qual o Brexit venceu com 52% dos votos.
O país deveria sair do bloco em 29 de março, mas com as diversas rejeições do Parlamento ao acordo de divórcio assinado pela então primeira-ministra, Theresa May, com Bruxelas a data foi adiada duas vezes.
Boris Johnson chegou ao poder em julho com a promessa de concretizar o Brexit em 31 de outubro a qualquer custo. Afirmou que deseja renegociar com Bruxelas, mas que está disposto a uma retirada brutal, se a UE não aceitar suas condições.
Ele também esbarrou na oposição do Parlamento que, antes da suspensão, aprovou em caráter de urgência uma lei para evitar um Brexit sem acordo.