O pedido do primeiro-ministro conservador Boris Johnson, acatado pela rainha Elizabeth II, provocou uma tempestade política no Reino Unido. O premiê solicitou a suspensão das atividades do Parlamento entre 9 de setembro e 13 de outubro, praticamente inviabilizando qualquer ação dos deputados que buscam impedir o Brexit sem acordo. O divórcio entre o país e a União Europeia (UE) deve ocorrer em 31 de outubro. O funcionamento da Câmara dos Comuns será retomado a apenas 17 dias do Brexit, com o tradicional discurso da monarca. A decisão de Johnson foi classificada por especialistas como um golpe contra o Parlamento, enquanto os próprios deputados colocaram em xeque o caráter constitucional e democrático da medida.
;É um ultraje constitucional;, disparou o presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow. ;É óbvio que o propósito desta suspensão agora seria impedir o Parlamento de debater o Brexit e de cumprir com o dever de definir o rumo do país;, acrescentou. Para o líder do Partido Trabalhista (oposição), Jeremy Corbin, a suspensão do Parlamento é ;inaceitável; e ;não deveria ocorrer;. ;O que o primeiro-ministro está fazendo é esmagar e agarrar nossa democracia para forçar um Brexit sem acordo;, denunciou. O ex-chanceler Philip Hammond disse que a decisão do chefe de governo é ;profundamente antidemocrática em tempos de crise nacional como esta;. Manifestantes protestaram no centro de Londres, próximo ao número10 da Downing Street, residência oficial do premiê.
Boris Johnson informou sua decisão aos parlamentares por meio de uma carta. ;Nesta manhã, conversei com Sua Majestade a Rainha para solicitar o fim à atual sessão parlamentar na segunda semana de setembro, antes de começar a segunda sessão deste Parlamento com o discurso da Rainha, em 14 de outubro;, anunciou. ;Uma característica central do programa legislativo será a prioridade legislativa número um do governo, se um novo acordo estiver próximo no Conselho Europeu: a introdução de uma Lei de Acordo de Retirada (da UE) e uma manobra para assegurar sua aprovação antes de 31 de outubro;, assegurou na mensagem.
Intimidação
Em entrevista ao Correio, Anthony Glees ; diretor do Centro para Estudos de Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham ; admitiu que a manobra de Johnson representa um ;golpe; contra o Parlamento. ;Creio que ele foi forçado a tomar tal decisão depois de uma declaração assinada por 160 parlamentares de Londres, na qual afirmavam que submeteriam um Brexit sem acordo à votação na Câmara dos Comuns. Além disso, existe o temor de que 16% dos eleitores britânicos votem pelo Partido Brexit, uma hipótese que torna uma eleição geral muito perigosa, a menos que Johnson consiga sair da UE até 31 de outubro;, comentou.
Glees acredita que Johnson está intimidando os parlamentares do Tory (Partido Conservador) a forçarem um Brexit. ;Não há dúvida de que o que ele fez é profundamente ofensivo para aqueles que colocam o conceito da soberania parlamentar acima do populismo.;
O especialista de Buckingham lembra que Johnson aguardou 20 anos para se tornar primeiro-ministro e tem a exata ciência de que, caso o Reino Unido abandone a UE sem um acordo, o país sofrerá ;grave desordem;. ;As finanças públicas serão um desastre; os setores agroalimentar, pesqueiro e industrial ficarão paralisados, com mais de 1 milhão de desempregados; a libra esterlina entrará em queda. Muito melhor para Johnson ser o premiê que forjou um Brexit com acordo e manteve 50% do comércio com o bloco europeu do que ver a nação degenerar no caos e na insolvência;, sugere Glees. Apesar de aceitar como ;possível e altamente provável; um Brexit sem acordo, o estudioso tem esperanças de que isso não ocorra.
Diretor do Centro para Política e Governo Britânicos e do Departamento de História e Política do King;s College London, Andrew Blick adverte que ;a manobra do governo destina-se a reforçar o controle sobre o Parlamento, que não está totalmente alinhado à abordagem do premiê, e sobre a UE, ao tornar a possibilidade de um Brexit sem acordo mais realista, na esperança de obter concessões;. Ele vê o perigo de Johnson ter alienado o próprio partido, com tal movimento incomum. Nas fileiras do Partido Nacional Escocês, conservadores já esboçam descontentamento sobre o curso da ação tomada pelo primeiro-ministro.
Pontos de vista
Por Andrew Blick
Escolha forçada
;Eu suspeito que o premiê Boris Johnson espera ser capaz de obter um novo acordo com o Parlamento para abandonar a União Europeia no curto espaço de tempo, entre 15 e 31 de outubro. Na realidade, ele pode estar forçando uma escolha entre um Brexit sem acordo e um Brexit com acordo, se é que será capaz de obtê-lo. Na impossibilidade de conseguir um acordo, Johnson pode estar agindo a fim de impedir os parlamentares de bloquearem o Brexit ou de buscarem outro adiamento.;
Diretor do Centro para Política e Governo Britânicos e do Departamento de História e Política do King;s College London
Por Anthony Glees
Golpe à soberania
;O Reino Unido não tem uma Constituição escrita. Como a rainha concordou com a suspensão do Parlamento, a decisão de Johnson pode estar alinhada à prática constitucional. É um claro golpe contra o princípio da soberania parlamentar. O ex-chanceler Philp Hammond classificou a manobra de ;profundamente antidemocrática;, e John McDonnell, vice-líder trabalhista, a chamou de ;um golpe muito britânico;.;
Diretor do Centro para Estudos de Segurança e Inteligência da Universidade de Buckingham