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Acordo incia transferência de poder dos militares para os civis no Sudão

Militares comandam o país africano há 30 anos. transição para o governo civil deve durar 39 meses

Os militares no governo e os líderes dos protestos de oposição no Sudão assinaram, neste sábado (17/8), um acordo histórico que abre caminho para uma transferência do poder para os civis no Sudão, onde a população espera maior liberdade e prosperidade.

"É a maior celebração que jamais vi no meu país. Temos um novo Sudão", comemorava Saba Mohamed, de 37 anos, enquanto agitava uma pequena bandeira do Sudão.

Mohamed Hamdan Daglo, número dois do Conselho militar, e Ahmed al Rabie, representante da Aliança para a Liberdade e para a Mudança (ALC), movimento que promove os protestos, firmaram a "declaração constitucional". Participaram do evento chefes de Estado, primeiros-ministros, como o etíope Abiy Ahmed, e autoridades de outros países da região.

A cerimônia aconteceu em Cartum, às margens do rio Nilo. Nela, foram assinados os documentos que definirão os 39 meses de transição para um governo que traga liberdade e prosperidade ao país. O ato foi acolhido com aplausos dos presentes, observou um jornalista da AFP no local.

"A alegria do Sudão"

O evento começou com o hino sudanês, seguido da leitura de trechos do Corão e da Bíblia, um gesto à minoria cristã do país.

"A alegria do Sudão", lia-se nas paredes da sala de conferências.

Concluído no início de agosto, o acordo pôs fim a cerca de oito meses de um protesto inédito que provocou a queda do presidente Omar al-Bashir, após 30 anos no poder. Na sequência, as manifestações se voltaram contra os generais do Conselho Militar de Transição que lhe sucedeu.

Alcançado graças à mediação da Etiópia e da União Africana, este pacto foi recebido com alívio por ambas as partes. Os manifestantes celebraram a vitória de sua "revolução", enquanto os generais se atribuíram o mérito de terem evitado uma guerra civil.

Em Atbara, cidade do centro do país onde foram registradas as primeiras manifestações contra a decisão do governo de triplicar o preço do pão em 19 de novembro, alguns dançavam e cantavam nas plataformas da estação de trem antes de partirem para Cartum, como mostram várias imagens publicadas nas redes sociais.

"Vivemos sob o controle militar por 30 anos, mas agora deixamos esta realidade para trás", celebrou Ali Yussef, um estudante de 19 anos.

Primeiras etapas

A primeira etapa após a assinatura do acordo será o anúncio, no domingo (18), da composição do Conselho Soberano, constituído em sua maioria por civis. O órgão está encarregado de levar a transição adiante.

Na quinta-feira, a ALC designou Abdalla Hamdok, um ex-economista da ONU, para o cargo de primeiro-ministro. O Conselho Soberano deve anunciar na próxima terça-feira, se confirma sua nomeação.

Hamdok terá a dura tarefa de pôr a economia do país de pé. Desde a secessão do Sul, em 2011, a situação se deteriorou com a perda de cerca de 75% de suas reservas de petróleo. A inflação e a escassez foram os motores dos protestos nas ruas.

As eleições estão previstas para 2022, mas muitos sudaneses duvidam da capacidade das instituições de transição de conseguirem limitar o poder da elite militar.

Embora as Forças Armadas sejam minoria entre os 11 membros do Conselho Soberano que deve governar 40 milhões de sudaneses, um general estará à frente desse órgão nos primeiros 21 meses. E os ministros do Interior e da Defesa serão eleitos pelos militares.

Uma das primeiras consequências do acordo em matéria diplomática será o fim da suspensão do Sudão como membro da União Africana, em vigor desde junho.