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A 'maldição do favorito'



Foi há meio século que uma das maiores tragédias na saga conturbada da dinastia Kennedy, o clã político que tem seu nome associado à história do Partido Democrata, inaugurou uma espécie de maldição que parece perseguir os candidatos da legenda que despontam como favoritos na disputa interna pela candidatura presidencial. No início de 1968, com Lyndon Johnson fora da briga pela reeleição, os democratas procuravam um nome, até que se apresentou o de Robert Kennedy, irmão mais novo de JFK, assassinado pouco mais de quatro anos antes. Bob estreou com uma vitória contundente na primária da Califórnia, mas foi abatido na mesma noite por um pistoleiro. Em novembro, Richard Nixon, vencido por JFK em 1960, reconduziria os republicanos à Casa Branca.

Nixon se reelegeu com enorme facilidade em 1972, vencendo em todos os estados menos em Washington, a capital federal. O adversário, George McGovern, era mais do que um azarão: estava tão à esquerda no espectro político americano que não conquistou nem o próprio estado. O escândalo Watergate, que levou Nixon à renúncia em 1974, deixou o caminho livre para o Partido Democrata dois anos mais tarde. Mesmo assim, a candidatura coube a um quase desconhecido, Jimmy Carter, governador da Geórgia. Carter não foi o favorito nem quando tentou a reeleição, em 1980: antes de ser batido nas urnas por Ronald Reagan, passou praticamente todo o período das primárias atrás do senador Edward Kennedy, irmão de JFK e Bob.

Ted, como era conhecido, era a esperança do partido para destronar Reagan, em 1984, mas outra das tragédias do clã tirou-o da disputa. Um grave acidente de carro, ao qual ele sobreviveu, expôs sua relação extraconjugal com a secretária e feriu de morte suas pretensões presidenciais. Os democratas amargariam mais duas derrotas antes de outro governador de um estado pequeno, o Arkansas, frustrar a reeleição de George Bush pai ; ele próprio um exemplo da dinâmica distinta no Partido Republicano, onde o preterido em uma disputa costuma ter sua chance logo adiante.

Bill Clinton não apenas aceitou ir ao ;sacrifício; contra um presidente que, um ano antes da eleição, tocava os 90% de aprovação, graças à vitória sobre Saddam Hussein na primeira Guerra do Golfo. Eleito e reeleito, Clinton saiu da Casa Branca popular, apesar de ter quase sofrido o impeachment pelo escândalo do caso extraconjugal com Monica Lewinsky, estagiária da mansão presidencial. O vice, Al Gore, não teve problemas para se impor dentro do partido, mas tomou distância do presidente durante a campanha. Perdeu para George W. Bush, filho do ex-presidente, por um punhado de votos que decidiu a parada no estado da Flórida, após mais de um mês de recursos e recontagens.

Hillary Clinton, a ex-primeira-dama que se lançou em carreira própria como senadora por Nova York, tinha pela frente uma candidatura quase certa, em 2008, quando Bush filho deixaria a presidência, após dois mandatos. Mas esbarrou no furacão eleitoral Barack Obama, um senador calouro que tinha entrado na disputa para projetar-se nacionalmente, pensando no futuro. Não apenas atropelou a favorita como ocupou a Casa Branca até 2016. Foi quando Hillary reafirmou a tradição maldita dos que largam na frente nas primárias democratas. Dobrou a custo o desafiante Bernie Sanders, senador que se apresentava como ;socialista;, e liderou as pesquisas para a eleição presidencial quase até novembro, mas sucumbiu a um estreante na política: o bilionário Donald Trump, que vinha de humilhar os cardeais republicanos, sepultou o sonho da ex-primeira-dama, ex-senadora e ex-secretária de Estado de ser a primeira mulher a comandar a maior potência mundial. (SQ)