Jornal Correio Braziliense

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Conexão diplomática

Hora de topar o
;vai ou racha;


O Brasil vive o momento de assumir, definitivamente, as opções feitas na política externa. Ao abraçar a orientação de Washington pelo sufoco sem tréguas ao regime chavista, o país fechou uma das portas possíveis para a interação na crise da Venezuela. Os desdobramentos da semana que termina limitam ainda mais as opções ; praticamente, deixam apenas a opção entre embarcar no arrocho desenhado pelo governo de Donald Trump ou desafiá-la e assumir a liderança de um processo distinto de diálogo com o governo de Nicolás Maduro, em nome de um consenso (cada vez mais difícil) da vizinhança,

Por trás e nas entrelinhas dessa ;escolha de Sofia; estão ajustes e acertos de alcance mais longo. Eles começam com a redefinição das relações bilaterais com os Estados Unidos, movimento determinado em boa parte pelo desfecho da indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ;filho 03;, para chefiar a embaixada. O nome já tem o agrément de Washington, mas pode enfrentar resistências no Senado. De toda maneira, a cruzada pela nomeação define, de certa maneira, um rumo claro para a diplomacia americana na questão talvez mais crítica da vizinhança imediata: com um rebendo do presidente como representante, o Itamaraty terá sua intervenção atrelada às definições do governo Trump.

E se não der...
A indicação do atual presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara dos Deputados parece segura no Senado, a princípio, mas pode esbarrar na comissão análoga, primeira etapa da tramitação. Aparentemente determinado a garanti-la, o presidente já acenou até mesmo com uma alternativa na linha ;tudo ou nada;. Caso Eduardo não passe, Bolsonaro sugere que estaria disposto a uma tacada parecida com um lance extremo do jogo de bocha ; por sinal, passatempo caro aos militares reformados, como ele próprio. O lance consiste em usar uma bola para espalhar as demais e, de certa maneira, zerar o jogo.

No caso, a jogada do Planalto consistiria em submeter aos senadores, para a vaga em Washington, o nome do atual chanceler, Ernesto Araújo. O ;03; seria então nomeado, sem depender de confirmação, para chefiar o Ministério das Relações Exteriores. Observadores da cena avaliam, por ora, que se trata de algo próximo de um blefe, tomando emprestada a linguagem do pôquer. A questão real, à parte as consequências práticas, é o impacto causado desde já pelo Planalto do lado oposto do Eixo Monumental.

A ideia de que o comando da diplomacia pode ser entregue a um personagem considerado inepto para a embaixada em Washington ; e, segundo vários representantes do corpo profissional do MRE, para a chefia de praticamente qualquer representação com algum peso político ; apenas reforça a impressão algo incômoda de que a controversa escolha do chanceler teria sido apenas a primeira, embora a mais crítica, até agora, das jogadas do presidente em um campo cuja sutileza supera em muito os desafios de uma cancha de bocha.

Mata-leão
Enquanto o presidente prioriza a definição do posto-chave na frente externa, o Itamaray se vê diante da opção entre tomar para si a ofensiva frontal contra o governo chavista ou perder de vez o protagonismo para o Departamento de Estado. Desde o impeachment de Dilma Rousseff, com a mudança de rumos no Planalto e na Esplanada, a expectativa dos EUA tem sido por um papel mais efetivo do Brasil naquele que se tornou o ponto nevrálgico de sua política para o Hemisfério Ocidental ; na nomenclatura da diplomacia americana, tudo que fica ao sul do Rio Grande, do deserto mexicano aos confins da Antártida.

Não foi gratuita a presença do conselheiro da Casa Branca para Segurança Nacional, John Bolton, na conferência internacional patrocinada pelo Grupo de Lima, no início da semana, para discutir a situação na Venezuela. Formalmente, o governo brasileiro cumpriu a missão de convencer a participar do encontro os parceiros do Brics, em especial Rússia e China, aliados de Caracas. Ambos não apenas declinaram de enviar representantes como censuraram explicitamente a iniciativa do governo Trump de colocar Maduro no mesmo status dos compañeros cubanos. A partir de agora, não apenas as empresas americanas estão proibidas de fazer negócios com parceiros venezuelanos: empresas de terceiros países que desafiarem o embargo ficam sujeitas a punições nos EUA.

A tática do mata-leão para sufocar os sucessores de Chávez é marca registrada de Bolton, o mais notório dos ;falcões; na atual equipe republicana. Se der certo, consagra a linha-dura na condução da política hemisférica e reafirma a disposição americana para se impor novamente como a força hegemônica no continente. Caso contrário, deixa a Trump um cardápio restrito: ou delega a missão a aliados confiáveis, como Colômbia e Brasil, ou lava as mãos ou parte para o tudo ou nada de uma intervenção militar.