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Conexão diplomática



Algumas desfeitas custam mais caro

Não causou propriamente surpresa, pela natureza do gesto, o cano de Jair Bolsonaro no ministro francês de Relações Exteriores, na semana passada. Jean Yves Le Driant estava em Brasília, na segunda-feira, e tinha encontro marcado com o presidente. Pouco antes, o chanceler Ernesto Araújo comunicou que o chefe se ausentaria, por razões ;de agenda;. As ;razões; se elucidaram durante a hora mesma prevista para o encontro: Bolsonaro postou nas redes sociais um vídeo ao vivo enquanto passava por um corte de cabelo. Em sua fala, fez os comentários para lá de controversos sobre o desparecimento do pai do presidente da OAB, durante a ditadura militar, e se permitiu igualmente palavras pouco hospitaleiras sobre o visitante. ;O que ele vem conversar com ONGs?;, questionou.

Do ponto de vista estritamente pragmático, observadores da cena diplomática lembram que foi justamente a França um dos países europeus que mais resistências opuseram ao comemorado acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, fechado no mês que acaba de terminar, depois de praticamente duas décadas de tratativas. O presidente Emmanuel Macron, que trata de firmar no continente a imagem de porta-bandeira de uma ;nova política;, fez importantes ressalvas aos compromissos ambientais dos sócios sul-americanos, e apontou nominalmente o Brasil. Chegou a acenar com dificuldades ; no mínimo ; para a ratificação do tratado no parlamento francês.

A diplomacia, ao menos onde é exercida como atividade de Estado, tem como absorver desfeitas. Mas elas deixam marcas e lembranças, que passam a fazer parte das relações, sejam bilaterais ou multilaterais.

Piada anunciada
No caso do cano ao chanceler francês, Bolsonaro acabou dando verossimilhança à piada que circulou em meios diplomáticos quando decidiu, de maneira inédita, prestigiar a festa da independência dos Estados Unidos, no 4 de julho. Segundo os cânones, a presença do ministro das Relações Exteriores bastaria para indicar uma relação privilegiada. A do presidente, praticamente inédita, criou expectativa quanto à deferência que seria dada aos demais parceiros ; e, por ironia, o primeiro teste foi logo com a França. No 14 de julho, data nacional em que os franceses comemoram a Queda da Bastilha e a república contemporânea, o presidente brasileiro não esteve presente.

Nos olhos do outro
Durante a semana, o governo brasileiro viu-se no meio de uma crise política que ameaçou a estabilidade do presidente do Paraguai ; Mario Abdo Benítez, um político que mantém boas relações com a família Bolsonaro. Tudo começou com um acordo em torno da energia da hidrelétrica de Itaipu, considerado lesivo aos paraguaios, que teriam de pagar mais caro pelo fornecimento. Os termos do acerto estavam sob segredo, o que levou a oposição local a dar início a procedimentos para o impedimento de Marito, como é chamado por aliados e amigos ; inclusive a entourage do presidente brasileiro ; e do vice.

Do lado de cá, o Itamaraty empenhou-se prontamente em acenar com a revisão do acordo, por fim anulado. O que parecia um arranjo capaz de aliviar as queixas do Brasil sobre o regime de comercialização da eletricidade gerada pela binacional se mostrou como pimenta nos olhos do vizinho.

Cipó de aroeira
Não escapou, a quem acompanha a cena sul-americana, a semelhança com o processo sumário que resultou, em 2012, no impeachment relâmpago do presidente Fernando Lugo, um bispo licenciado, afinado com a esquerda nacionalista então predominante na região. Foi em resposta ao afastamento brusco de Lugo que os demais três sócios decidiram pela suspensão do Paraguai do Mercosul. A decisão abriu caminho para que Brasil, Argentina e Uruguai aprovassem o ingresso pleno da Venezuela, que esbarrava justamente na necessidade de ratificação pelo Congresso paraguaio.

Na nova configuração política do bloco, hoje é o regime chavista de Caracas que está excluído. Quanto ao Paraguai, readmitido, voltou a ficar sob ameaça caso prosperasse o processo político contra Marito, apoiado também pela Argentina de Mauricio Macri. No fim, foi a célebre volta do cipó de aroeira.

Ele não
Circula nas redes sociais uma declaração assinada por mais de duas dezenas de grupos e associações que representam os brasileiros emigrados que rejeita a indicação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ;filho 03; do presidente, para assumir a Embaixada do Brasil em Washington. A indicação deve ser encaminhada ao Senado nos próximos dias ou semanas, com perspectiva de aprovação na Comissão de Relações Exteiores e no plenário, ainda que sujeita a discussões acaloradas.

O texto começa esgrimindo as suspeitas de nepotismo e passa para o diagnóstico, compartilhado em círculos diplomáticos brasileiros e estrangeiros, de que o escolhido não tem as qualificações requeridas para o posto mais desafiador no campo da política externa. ;Eduardo Bolsonaro não está preparado para representar o Brasil nos Estados Unidos. Vemos em suas declarações, amplamente divulgadas pela mídia nacional e internacional, que ele tem uma parca compreensão dos Estados Unidos e da sociedade norte-americana;, diz o texto, que exorta os senadores a rejeitar a indicação.