Jornal Correio Braziliense

Mundo

De volta ao futuro

Agência americana prepara a próxima ação tripulada à Lua em meio a um novo clima de corrida espacial - 2014 agora, disputando com países como China e Japão. Para especialistas, os projetos impulsionam soluções tecnológicas e podem servir de base para a ida a Marte


Na mitologia grega, a deusa Ártemis é irmã gêmea de Apolo. Filha de Zeus, governa a caça, a vida selvagem e a Lua. Cinquenta anos depois da conquista lunar, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) não poderia ter escolhido melhor nome para a próxima viagem tripulada ao satélite, estimada para 2024, quando um novo grupo de astronautas, incluindo uma mulher, pisará no mesmo solo em que Neil Armstrong e Buzz Aldrin fincaram a bandeira dos Estados Unidos em 16 de julho de 1969.

Não há dúvidas de que o retorno à Lua trará oportunidades de desenvolver novas tecnologias, fazer novos experimentos no satélite e lançar as bases de uma futura viagem a Marte. Porém, na opinião de especialistas, assim como ocorreu com a Apollo 11, essa é uma missão muito relacionada a mostrar quem manda no espaço. Desde que a Nasa parou de lançar veículos para lá, em 1972, outros países começaram a investir no sonho da conquista lunar. A China deu largada em 2003, com o lançamento de seu programa espacial, provocando uma reação imediata no então presidente norte-americano, George W. Bush, que prometeu estabelecer colônias na Lua e chegar a Marte até 2030.

;Estamos passando por uma nova corrida espacial. A China já colocou um astronauta em órbita. Japão, Israel e Índia também querem pousar na Lua. Com isso, há um ressurgimento do interesse na pesquisa espacial. O contexto é tão político quanto tecnológico;, aposta o astrônomo Naelton Mendes de Araújo, do Planetário do Rio de Janeiro. Para o professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) Marcelo Zuffo, membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), a missão Ártemis será uma oportunidade de mais crescimento tecnológico. ;Esses projetos são estruturantes e estratégicos; superpotências, como Estados Unidos e China, têm muitos benefícios indiretos de projetos como esses. Eles são grandes aceleradores de empresas de alta tecnologia e da formação de engenheiros superespecializados;, diz.

Avanços e recuos
Pelas contas de Bush, a retomada das missões na Lua pelos norte-americanos ocorreria entre 2015 e 2020. Ao assumir a Casa Branca, em 2009, Barack Obama, porém, suspendeu o investimento no satélite e pediu à Nasa para se concentrar no outro grande sonho da humanidade, em termos de conquista espacial: um voo tripulado a Marte. Mas a eleição de Donald Trump, empossado há dois anos, retomou a estratégia de Bush. No fim de maio, a agência espacial anunciou o calendário de Ártemis: em 2020, será lançada a primeira missão não tripulada com objetivo dar uma volta ao redor do satélite. Se tudo der certo, ela será seguida por Ártemis 2, que levará humanos para orbitar a Lua em 2022 ; eles, porém, não pousarão no satélite.

Inicialmente, os planos da Nasa previam o ápice da missão, Ártemis 3, para 2028. Porém, Trump pediu para a agência acelerar o projeto. A China, que conseguiu pousar a sonda Chang;e-4 na face oculta do satélite (o hemisfério que não se vê da Terra) em janeiro, já avisou que pretende levar um homem para lá em uma década, o que provocou a antecipação do cronograma da substituta de Apollo.

Tanta ousadia tem, porém, seu preço. E, com o Congresso norte-americano relutando a aumentar o orçamento da Nasa, Ártemis já começa atrasada: o foguete de lançamento SLS, que deverá levar tripulantes também a Marte, não saiu do papel. A alternativa é investir nas parcerias com empresas privadas ; já confirmadas para participar de várias etapas da missão. Porém, as licitações, das quais devem participar a SpaceX, de Elon Musk, e a Blue Origin, de Jeff Bezos, também estão em atraso.

Por isso, especialistas apostam nas comemorações de meio século da chegada à Lua como um incentivo à missão Ártemis. A expectativa é de que, ao relembrar uma das maiores conquistas da humanidade, a Nasa ganhe apoio popular e o Congresso norte-americano se sinta pressionado a liberar a verba necessária para concretizar mais uma etapa do sonho de se ganhar o mundo.


;Esses projetos são estruturantes e estratégicos (;) São grandes aceleradores de empresas de alta tecnologia e da formação de engenheiros superespecializados;

Marcelo Zuffo, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE)



Palavra de especialista

Rumo a passos
ainda maiores

;Vejo a retomada das missões à Lua como parte da própria natureza humana, de querer avançar o conhecimento e buscar alternativas sobre o entendimento do Universo. Acredito que são passos intermediários para, talvez um dia, chegarmos ao que é mostrado na série Jornada nas Estrelas, onde você se locomove pelo Universo de uma forma ampla, por meios tecnológicos bastante avançados.Vejo esses desafios como uma oportunidade de se produzir avanços tecnológicos. Imagine só a dificuldade de se estabelecer colônias na Lua, em Marte; ou seja, a questão de como sobrevive, se produz oxigênio, água, se recicla a água. Tudo isso vai, cada vez mais e mais, transbordar para benefícios e produtos para a sociedade. Hoje, a gente parte de um patamar tecnológico muito mais elevado que na época da missão Apollo; então, as possibilidades de progresso são mais velozes. A gente acredita que essas missões devam acontecer numa velocidade muito maior do que aconteceram anos atrás.;
Antonio Pedro Timoszczuk, especialista em engenharia de sistemas e membro sênior do Instituto de Engenheiros e Eletricistas Eletrônicos (IEEE)


Conquistas

Muitos objetos e tecnologias do dia a dia, de calçados esportivos a exames de imagem, só estão aqui hoje por causa da missão Apollo:


Revolução informática
Até a década de 1960, os computadores eram máquinas gigantes, compostas de milhares de tubos a vácuo sedentos de energia. Tudo mudou com o advento da chamada computação em estado sólido e dos transistores, que tornaram possível miniaturizar a tecnologia para adaptá-la a uma espaçonave. A Apollo, inclusive, fomentou a formação do Vale do Silício.

Purificadores de água
A Nasa precisava desenvolver um purificador de água pequeno e leve, que gastasse pouca energia. Os técnicos construíram um dispositivo de 255mg que cabia na palma da mão e liberava íons de prata na água, sem a necessidade de cloro. Desde então, a tecnologia foi implementada em todo mundo para matar micróbios nos sistemas de tratamento e fornecimento de água.

Alimentos liofilizados
Para preservar os alimentos sem refrigeração, a Nasa desenvolveu a liofilização: o processo de desidratar alimentos recém-cozidos a temperaturas muito baixas e conservá-los em um recipiente capaz de protegê-los da umidade
e do oxigênio.

Avanços médicos
Um processo químico criado para eliminar dejetos tóxicos em missões espaciais e outro para dessalinizar a água levaram ao desenvolvimento de um sistema de diálise que elimina a necessidade do fornecimento contínuo de água, dando maior liberdade a pacientes. O processamento digital de imagens usado para analisar a superfície lunar foi transferido para pesquisas de tomografia e ressonância magnética.

Calçados

O material das botas lunares foi implementado em calçados esportivos para melhorar a absorção de impacto e a resistência. antas Mylar
As mantas isotérmicas foram utilizadas, pela primeira vez, para proteger os astronautas e os instrumentos das naves espaciais. O material metálico também é utilizado para isolar carros e casas.

Ferramentas sem fios
Os astronautas precisavam de uma furadeira portátil para extrair amostras a mais de 3m abaixo da superfície lunar. A Black desenvolveu um algoritmo para otimizar o motor de perfuração e reduzir o consumo de energia. A tecnologia foi aplicada, depois, ao aspirador sem fio.