O aumento no número de casos de resistência a antibióticos durante o tratamento de tuberculose preocupa especialistas. Isso devido, principalmente, à alta letalidade da doença ; segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2018, ela integrava a lista das 10 enfermidades que mais mataram no mundo. Um grupo de pesquisadores da Escola de Medicina de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, em parceria com cientistas da Universidade Umea, na Suécia, trabalha no desenvolvimento de uma terapia alternativa. Em testes com ratos, a intervenção teve resultado promissor.
Inicialmente, a equipe buscou entender como a Mycobacterium tuberculosis, causadora de tuberculose, fica mais resistente à ação de antibióticos e a situações de estresse. Ao replicar condições de baixo oxigênio no organismo, notadas em situações estressoras, os pesquisadores perceberam que os micro-organismos se unem e formam uma membrana fina. Chamada biofilme, essa camada, além de proteger as bactérias de condições de baixo oxigênio, limita a ação do medicamento.
Essa primeira descoberta levou os pesquisadores a buscarem maneiras de impedir esse ;endurecimento; das bactérias. ;Nós estávamos interessados em identificar caminhos envolvidos no estresse e na tolerância a remédios nas bactérias da tuberculose para encontrar maneiras de desarmar as defesas da doença;, explica Christina Stallings, professora-associada do Departamento de Microbiologia Molecular na Escola de Medicina da Universidade de Washington e líder da pesquisa, publicada recentemente na revista Proceedings of National Academy of Science (Pnas).
Ao analisar 91 compostos com estrutura química capaz de inibir a formação do biofilme, a equipe chegou ao C10. Em testes de laboratório, a substância não matou as bactérias da tuberculose, mas impediu a formação do biofilme. Por consequência, o bloqueio na formação da membrana facilita a eliminação da Mycobacterium tuberculosis e impede o surgimento de superbactérias. Quando o composto foi combinado com a isoniazida, antibiótico utilizado hoje no tratamento da tuberculose, pôde-se reduzir a dose do medicamento atual e obter o efeito desejado: a cura da infecção.
Mais surpreendentemente, o composto inverteu a resistência ao fármaco. As bactérias Mycobacterium tuberculosis com mutações no gene katG podem suportar o tratamento com isoniazida. No entanto, morreram quando tratadas com a combinação isoniazida e C10. ;Essa foi uma descoberta totalmente inesperada. Não tínhamos ideia de que poderíamos reverter a resistência aos medicamentos. Isso pode significar que, em todos aqueles milhões de casos de tuberculose resistentes à isoniazida, se usarmos algo como C10, poderíamos dar às pessoas a opção de usar isoniazida novamente;, cogita Christina Stallings.
Novas etapas
Para André Báfica professor-associado na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), os resultados são animadores, mas é preciso esperar como se dará a abordagem em testes com animais e humanos. ;No futuro, compostos como o C10 poderão nos dar uma vantagem no controle da doença causada por bactérias resistentes, mesmo com um arsenal limitado de antibióticos (;) O C10 deixou as bactérias geneticamente resistentes à isoniazida mais vulneráveis a esse antibiótico. Essa observação é animadora, mas ainda faltam pesquisas para definir se esse composto terá efeito semelhante in vivo;, pontua o especialista brasileiro, pós-doutor em imunologia pela National Institutes of Health, nos Estados Unidos.
Christina Stallings também frisa a importância de novas etapas da pesquisa. Segundo ela, a equipe precisa melhorar o composto para que possa começar a testá-lo em animais ou descobrir como ele evita a formação de biofilme. ;Nesse caso, poderemos desenvolver outras drogas que visem esse objetivo. Temos uma nova estratégia para tratar a tuberculose, mas vai levar tempo antes que seja uma realidade;, pondera.
Se confirmados os efeitos nas próximas etapas da pesquisa, a cientista acredita ser possível falar em encurtar o tempo de tratamento da doença. ;É muito difícil para as pessoas cumprirem um regime tão longo. Quanto mais tempo as pessoas têm de tomar antibióticos, mais problemas você tem com a adesão do paciente, e isso pode levar à resistência aos medicamentos e ao fracasso do tratamento. Se pudermos transformar esse composto em uma droga, isso poderá tornar nossas terapias atuais mais eficazes e realmente benéficas para combater essa pandemia;, explica.
* Estagiária sob supervisão de Carmen Souza
;Temos uma nova estratégia para tratar a tuberculose, mas vai levar tempo antes que seja uma realidade;
Christina Stallings, professora-associada da Universidade de Washington e líder da pesquisa
Desafio global
Hoje, o tratamento dura em torno de seis meses e, se seguido corretamente, tem taxa de cura de 75%. Há, porém, um número considerável de infectados não atendidos: 36%, estima a OMS. A agência de Saúde das Nações Unidos calcula que, em 2017, 558 mil pessoas tiveram tuberculose resistente a medicamentos. Na grande maioria dos casos, a isoniazida e a rifampicina ; outro antibiótico de primeira linha usado no tratamento ; deixaram de funcionar.