A grande surpresa do quebra-cabeças montado em Bruxelas foi a indicação da ministra alemã da Defesa, a conservadora Ursula von der Leyen, para presidir a CE. Afora o delicado equilíbrio entre as forças políticas da Eurocâmara, que tornou mais difícil a construção de uma maioria, a solução encontrada para um pacote que inclui mais três postos contempla a atenção cada vez maior dispensada no continente à igualdade de gêneros. Outra mulher, a francesa Christine Lagarde, outra representante da centro-direita, foi indicada para chefiar o Banco Central Europeu. Completam o novo alto comando da UE (leia o quadro) o premiê belga, o liberal Charles Michel, nomeado para presidir o Conselho Europeu, e o chanccler espanhol, o socialista Josep Borrell, para liderar a diplomacia europeia.
O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, um dos principais articuladores do acordo, saudou a proposta como ;um perfeito equilíbrio entre os sexos;, com dois homens e duas mulheres nos cargos mais disputados. ;É uma grande notícia para todos nós que acreditamos na igualdade de gênero;, comemorou em coletiva de imprensa o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, que lidera um gabinete com maioria feminina. Sánchez, que vem de vitórias nas eleições espanholas e nas europeias, comemorou também a reafirmação do país no cenário europeu: ;A Espanha voltou com força;.
Fragmentação
Os quatro nomes costurados pelos líderes dependem ainda da aprovação do Parlamento Europeu, que volta a se reunir hoje para examinar a questão e eleger o próprio presidente ; uma escolha que completa a recomposição da cúpula da UE, com um mandato que prevê a conclusão da saída do Reino Unido (o Brexit) e o começo da implantação do acordo de livre comércio fechado com o Mercosul. No plenário de Estrasburgo, porém, está exposta em toda a sua dimensão a fragmentação política expressa na dificuldade para a formação de governos estáveis em alguns dos principais países do bloco.Centro-direita e centro-esquerda, que mantinham em aliança uma maioria sólida na Eurocâmara, terão agora de incluir outros grupos políticos pró-UE, como ecologistas e liberais, que ganharam terreno nas eleições de maio. Os dois maiores grupos políticos tiveram ontem uma amostra de como poderá ser, nos próximos anos, a convivência com outra força ascendente, composta pela extrema-direita e pelos eurocéticos. Além do protesto dos britânicos pró-Brexit, assistiram à manifestação de 10 mil nacionalistas catalães, cujos eurodeputados eleitos não puderam tomar posse, por terem pendências com a Justiça espanhola.
O acerto fechado em Bruxelas atropela um mecanismo definido desde 2014 pelo Parlamento Europeu para a escolha do presidente da CE, pelo qual cada grupo político fez campanha apresentando um ;candidato principal; para o cargo, segundo o sistema alemão do spitzenkandidat. Segundo esse princípio, deveria assumir a CE o centro-direitista alemão Manfred Weber, que acabou vetado pelo presidente francês, Emmanuel Macron. A chanceler (chefe de governo) Angela Merkel trocou-o pela ministra da Defesa, mas desagradou os socialistas, que propunham o holandês Frans Timmermans, atual vice-presidente da Comissão.
Modelo alemão
O mecanismo adotado pelos eurodeputados para a escolha do presidente da Comissão Europeia se inspira no parlamentarismo da Alemanha, onde que partidos e coligações fazem campanha com um ;cabeça de chapa;, o spitzenkandidat (literalmente, ;candidato de cúpula), como o nome que levarão para a chefia do governo, caso vençam a eleição. A ideia de dar transparência à definição do chefe do Executivo continental, porém, esbarra no cipoal de normas que regem a UE. O chefe da CE deve ser referendado pela Eurocâmara, mas a indicação do nome a ser votado cabe ao Conselho Europeu, composto pelos chefes de Estado. Os parlamentares podem rejeitá-lo, mas não têm autonomia para votar em outro nome ; a prerrogativa da indicação permanece com os governantes dos países-membros.
Quem são os indicados para os postos-chaves da UE
Ursula von der Leyen
A primeira mulher a presidir a Comissão Europeia é ministra da Defesa da Alemanha, tem 60 anos e é correligionária da chanceler (chefe de governo) Angela Merkel na União Democrata Cristã (CDU). Entusiasta da integração europeia, inclusive na área da defesa, tem a marca da UE na própria biografia: nasceu em Bruxelas, sede do bloco.
Charles Michel
Aos 43 anos, o primeiro-ministro da Bélgica (desde 2013) é uma das estrelas ascendentes do campo liberal na Europa. Sem experiência anterior na burocracia da UE, foi indicado pelos governantes do bloco para presidir o Conselho Europeu, fórum que reúne os chefes de Estado e de governo e toma as principais decisões políticas comunitárias.
Christine Lagarde
O Banco Central Europeu, que tem a atribuição principal garantir a saúde do euro, terá à frente a atual diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional. Advogada e banqueira, 63 anos, ela é filiada ao partido de centro-direita Republicanos e foi ministra da Economia da França entre 2007 e 2011 na presidência de
Nicolas Sarkozy.
Josep Borrell
O veterano político socialista, atualmente chanceler da Espanha, assumirá o comando da diplomacia europeia, como alto representante da UE para Política Externa e Defesa. Aos 72 anos, tem no currículo, além dos cargos exercidos no próprio país, um mandato como presidente
do Parlamento Europeu, entre 2004 e 2007.
A nova legislatura da Eurocâmara tem sete blocos e nenhuma maioria automática
Direita pró-europeia: 182 deputados
O Partido Popular Europeu (PPE), a ;família; política mais votada nas eleições de maio, se manteve com a maior bancada, mas perdeu 34 cadeiras e já não compõe maioria apenas com os socialistas. Sua força principal continua sendo a democracia-cristã da Alemanha (CDU/CSU), que emplacou a correligionária Ursula von der Leyen a presidência da Comissão Europeia.
Socialistas/social-democratas: 154 deputados
Segunda força política do plenário, a centro-esquerda reclama para si um cargo de peso no comando da UE, cujos postos terão de ser divididos com outros grupos para selar a maioria. No todo, a bancada perdeu 31 vagas, mas a delegação espanhola, impulsionada pelo premiê Pedro Sánchez, tornou-se a maior do bloco e colocou Josep Borrell à frente da diplomacia da UE.
Liberais: 108 deputados
Rebatizado como Renova Europa, um dos grupos mais europeístas de Estrasburgo se fortaleceu nas eleições de maio, em especial graças ao desempenho na França. Com o cacife ganho nas urnas, o presidente Emmanuel Macron garantiu para os liberais a presidência do Conselho Europeu e viu a compatriota Christine Lagarde indicada para o Banco Central Europeu.
Verdes e regionalistas: 75 deputados
A ascensão dos ecologistas foi uma novidades nas eleições de maio, com destaque para o desempenho dos alemães e franceses. Em coligação com a Aliança Livre Europeia, que agrupa legendas regionalistas, o grupo
passa a ser a quarta força da Eurocâmara e deve negociar postos ao menos na composição da nova Comissão Europeia.
Ultradireita: 73 deputados
Os populistas de direita antieuropeus vinham de avanços importantes em vários países-membros da UE, principalmente na Itália ; onde a Liga, do vice-premiê Matteo Salvini, dá o tom para a política anti-imigração do governo. Embora prejudicado pelas próprias divisões, o grupo ganhou 37 cadeiras em e busca atrair ao menos parte dos eurocéticos.
Direita eurocética: 62 deputados
Perderam 15 cadeiras nas urnas, em boa parte por conta do crescimento de formações populistas, que arrebataram o discurso anti-UE. A coesão da bancada será colocada à prova pela convivência entre os ultradireitistas espanhóis do Vox e os nacionalistas flamengos, aliados dos separatistas catalães, aos quais o Vox faz oposição cerrada.
Esquerda radical: 41 deputados
O menor entre os grupos parlamentares formalmente constituídos inicia a legislatura enfraquecido pela perda de 11 deputados. Duas de suas representações nacionais mais numerosas, as da Alemanha e da França, vêm perdendo eleitores para a extrema-direita. Historicamente crítica à centralização e à burocracia da UE, a esquerda procura um discurso.