À margem das atenções concentradas pela mídia no encontro de cúpula do G20, em Osaka, a diplomacia comemora um gol de placa marcado em Bruxelas, com a conclusão do acordo comercial entre União Europeia e Mercosul, ao fim de duas décadas de negociações que pareciam fadadas a se prolongar pelos séculos dos séculos. Fruto de uma arrancada iniciada ainda no ano passado, antes mesmo da definição das urnas por aqui e em meio ao governo-tampão de Michel Temer, o salto final de ambos os lados para o ;desconhecido; cria a maior área de livre-mercado do mundo.
Em termos, o acerto UE-Mercosul soa como resposta de ambas as partes ao cenário global criado pela guerra comercial entre os Estados Unidos de Donald Trump e a China. Diante da postura assimida em Washington desde 2017, e com as incertezas projetadas pelo Brexit, o comando político e o corpo técnico de Bruxelas revisaram os cálculos e decidiram bancar o acerto com um bloco que, embora imperfeito como união aduaneira e imerso nas próprias dificuldades, se afigura como a melhor opção de parceria de longo alcance. As negociações UE-EUA, igualmente difíceis, regrediram a um estado semelhante ao vivido com o Mercosul por longos anos.
Com potencial para um acréscimo da ordem de US$ 100 bilhões no PIB, ao longo da próxima década, o acordo transatlântico se apresenta, disparado, como a grande notícia para o governo Bolsonaro na frente externa, nos últimos momentos de um primeiro semestre marcado por desacertos e desencontros.
Sol nascente
Se é um troféu de primeiro escalão no médio e no longo prazo, o desenlace da interminável novela com a Europa contribuiu no horizonte imediato para ofuscar notícias menos favoráveis vindas do Japão, onde Bolsonaro teve cancelado, de última hora, o encontro bilateral que manteria com Emmanuel Macron. O presidente francês, por sinal, foi o governante europeu mais refratário à conclusão do acordo comercial entre os dois blocos. De certa maneira, expandiu para as relações com o Brasil a competição que vem travando com a chanceler alemã, Angela Merkel, no âmbito da reformulação do comando político-tecnocrático da UE.
Salva-vidas
Na vizinhança próxima, a conclusão do acordo cai como presente antecipado para o presidente da Argentina, Mauricio Macri, que enfrenta em outubro uma difícil disputa nas urnas pelo segundo mandato. Nos últimos dois anos, com o Brasil semiparalisado pela crise política que desembocou no impeachment de Dilma Rousseff, foi da Casa Rosada que partiram as principais iniciativas relacionadas ao Mercosul. Embora afinado com a estratégia de resgatar a vocação comercial do bloco, o governo Temer não tinha fôlego nem apetite para muito mais do que enunciar um novo rumo diplomático, em termos genéricos.
No que diz respeito ao cenário sul-americano, foi a determinação de resolver o impasse antes de uma possível mudança de governo na Argentina, com a volta do peronismo e Cristina Kirchner como uma vice-presidente mais do que poderosa, que convenceu os negociadores de ambas as partes a definir as últimas concessões necessárias.
Mais particularmente em relação à Argentina, a incógnita é quanto aos frutos Macri poderá colher de uma manobra da qual participou em menor escala no momento decisivo. Tanto mais porque os impactos positivos esperados para a economia não combinam com o calendário eleitoral.
Quebra-cabeça
Da perspectiva de Bruxelas, o festejado acerto que estabelece a área de livre-comércio mais promissora para as próximas décadas coincide com um período de delicados ajustes políticos no bloco europeu. No domingo, ainda na ressaca do anúncio e das conversas no G20, os 28 governantes do bloco se reúnem no imponente complexo-sede, em Bruxelas, para retomar as tentativas de compor a maioria necessária, ao menos, para indicar o próximo presidente da Comissão Europeia, braço executivo da UE.
No caso da UE, o fator complicador é a fratura política exposta pelas eleições que renovaram o parlamento continental, no fim de maio. Após três décadas, centro-direita e centro-esquerda, que conduziam o bloco em uma espécie de condomínio, veem-se agora sem bases para repartir entre si os cargos-chaves. Terão de compor com liberais ou ecologistas ; ou com ambos ; para combinar os dois requisitos definidos pelo Tratado de Lisboa, espécie de Constituição do bloco.
Não basta assegurar maioria no Parlamento Europeu, cuja nova legislatura será inaugurada na terça-feira. O candidato a presidente da CE tem de chegar ao plenário contanto com o respaldo dos governos de ao menos 21 dos 28 países-membros. Embora a composição plena da Comissão seja negociada mais adiante, a escolha do candidato deve trazer embutida, obrigatoriamente, a contemplação dos interesses dos diferentes grupos políticos e das várias representações nacionais.