A partir de hoje, o governo do presidente norte-americano, Donald Trump, depositará todas as suas fichas em um plano de paz que, para muitos, nasceu morto. Sem qualquer proposta política e sem fazer menção à criação de um Estado palestino, o documento de 38 páginas, intitulado Paz para a Prosperidade, se foca no desenvolvimento econômico da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, além de Jordânia, Egito e Líbano. O plano (veja quadro), que será apresentado oficialmente por Jared Kushner, assessor e genro de Trump, durante uma conferência de dois dias em Manama (capital do Bahrein), prevê investimentos de US$ 50 bilhões em 179 projetos de infraestrutura, comércio, turismo e educação. Desse total, US$ 28 bilhões serão aplicados diretamente nos territórios palestinos. ;Não aceitamos essa imposição. Isso é postergar e alongar o conflito. O meu povo precisa de prosperidade, mas não pode existir sem a dignidade e a soberania;, afirmou ao Correio Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, embaixador da Palestina em Brasília (leia o Duas perguntas para). No domingo, o presidente palestino, Mahmud Abbas, declarou que, apesar de a conferência abordar questões econômicas, ;o problema real é político;.
As últimas ações do governo Trump corroboram para o ceticismo ante a nova empreitada. Desde a promessa de um ;acordo de paz do século;, em setembro de 2017, o magnata republicano retirou a imunidade diplomática do representante palestino nas Nações Unidas, reconheceu Jerusalém como capital do Estado de Israel, cortou a ajuda aos palestinos, interrompeu o financiamento da principal agência de refugiados da ONU e transferiu a embaixada de Tel Aviv. A Casa Branca classifica o plano como ;o mais ambicioso e abrangente esforço internacional voltado para o povo palestino;. No entanto, as ausências de delegados dos governos da Autoridade Palestina e de Israel sinalizam o possível fracasso da iniciativa. Cairo e Amã anunciaram o envio de delegações apenas de nível médio para o evento. Além de autoridades de nações árabes, a conferência contará com as presenças do secretário do Tesouro americano, Steve Mnuchin; e da diretora do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.
Direitos humanos
De acordo com Omar Shakir, diretor da organização não governamental Human Rights Watch (HRW) para Israel e Palestina, o entrave da proposta da Casa Branca está no fato de não contemplar a dignidade e os direitos humanos do povo palestino. ;O plano de Trump ignora o mais sério obstáculo ao desenvolvimento econômico: os abusos cometidos por Israel contra os palestinos. Em 2013, o Banco Mundial estimou que as restrições israelenses impostas somente à Cisjordânia custam à economia palestina cerca de US$ 3,4 bilhões por ano. Se essas restrições não forem suspensas, nenhum projeto em potencial será bem-sucedido, não importa quantos bilhões de dólares forem despejados nele;, explicou à reportagem.
Shakir também coloca em xeque a intenção do plano de Kushner de ;empoderar; os palestinos. Segundo ele, em nenhum momento o documento da Casa Branca explicita os motivos pelos quais os palestinos estão distantes desse empoderamento. ;O plano defende a criação de um corredor econômico entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, mas há estradas suficientes entre os dois territórios. O problema está nas restrições israelenses e na proibição generalizada de viagens, a qual transformou Gaza em uma prisão a céu aberto. Quase toda a população está proibida de sair do território;, lembrou. ;O plano fala da importância de fortalecer os direitos sobre as propriedades, quando o Exército de Israel tem sistematicamente roubado as terras dos palestinos. Também aborda a importância da sociedade civil, quando as autoridades palestinas e israelenses perseguem as vozes independentes que existem na sociedade civil;, acrescentou o diretor da HRW.
Duas perguntas para
Ibrahim Mohamed Khalil Alzeben, embaixador da Palestina em Brasília
Como o senhor analisa o plano de paz proposto pelo genro de Donald Trump no Bahrein?
É uma cortina de fumaça. Uma maneira de pressionar o povo palestino a abrir mão de seus direitos políticos. A questão da Palestina não é econômica e financeira. É uma questão política por excelência. A partir da solução de uma questão política de dois Estados para dois povos, aí, sim, poderíamos falar de economia, de finanças e de outros arranjos. Esta é uma conferência suspeita, da qual não participaremos. Não aceitaremos, de jeito nenhum, nem a conferência nem os resultados. Estou seguro de que não haverá resultados a não ser uma cortina de fumaça. Não existe uma solução que não seja a política, de dois Estados para dois povos.
A Casa Branca promete US$ 50 bilhões em investimentos na Palestina. Então, o montante não ajudaria a população antes dessa solução política?
Eles falam de US$ 50 bilhões que seriam entregues a dois países árabes. Nós não precisamos de intermediários para solicitar esse dinheiro. O povo palestino não se compra e não se vende. A Palestina não está à venda. Nós seguimos lutando, desde 1917, pela nossa independência. Estamos apoiados pelo direito internacional. Não nos deixamos subornar. Eles falam de US$ 27 bilhões para serem enviados aos palestinos, não ao povo palestino. Nós rotundamente não aceitamos e condenamos qualquer tentativa de ultrapassar nossos direitos políticos, de criarmos nosso Estado e de termos nossa independência. Não existem os palestinos. Existe o povo palestino, que tem uma direção e uma Organização para a Libertação da Palestina, seu único e legítimo representante. Temos um Estado observador na ONU, reconhecido por 140 países. Estamos respaldados pelo direito internacional. Isso nos sustenta contra qualquer projeto de Kushner ou do próprio presidente Trump. (RC)
O plano dos Estados Unidos
Conheça os principais pontos do projeto chamado ;Paz para a Prosperidade;
O que é
; Projeto que visa facilitar a liberação de mais de US$ 50 bilhões em novos investimentos ao longo de uma década. Segundo a Casa Branca, o plano representa o mais ambicioso esforço internacional voltado ao povo palestino.
Etapas
; Desencadear o potencial econômico da Palestina
; Empoderar o povo palestino
; Aprimorar a governança palestina
Metas principais até 2030
; Mais do que dobrar o Produto Interno Bruto (PIB) da Palestina
; Criar mais de 1 milhão de empregos palestinos
; Reduzir a taxa de desemprego palestino a dígito único
; Diminuir a taxa de pobreza na Palestina em 50%
Investimentos
; Infraestrutura: Propõe ligar a Cisjordânia à Faixa da Gaza, por meio de estradas, ferrovias e postos fronteiriços. Prevê mais investimentos em eletricidade e dobrar o fornecimento de água potável per capita disponível para os palestinos.
; Economia: Promover o crescimento do setor privado, aumentando o investimento estrangeiro como componente do PIB palestino de 1,4% para 8%. As áreas contempladas seriam turismo, agricultura, habitação, indústria e recursos naturais.
; Integração regional: Aumentar as exportações palestinas de 17% do PIB para 40%
; Empoderamento: Melhorar os serviços de educação, fortalecer o desenvolvimento da força de trabalho, investir em saúde e aprimorar a qualidade de vida.
Eu acho...
;Longe de ser o esforço internacional mais ambicioso em prol do povo palestino, o plano de Donald Trump é algo secundário. Trata-se de uma distração que está indo a lugar nenhum, enquanto o governo dos EUA concede luz verde para graves abusos cometidos por Israel, como a expansão de assentamentos legais na Cisjordânia e o embargo sobre Gaza. Esse plano é receita de mais repressão, não de paz ou de prosperidade.;
Omar Shakir, diretor da Human Rights Watch (HRW) para Israel e Palestina