Jornal Correio Braziliense

Mundo

Paulo Delgado



ARMADILHAS
DO BAIXO CRESCIMENTO

Sempre que insistimos em desconhecer os desafios da realidade mundial, ficamos um pouco mais pobres. Negar de tudo que é realidade sempre estimulou reflexões pouco certeiras. Em relação ao capitalismo e sua força, por exemplo, dizendo que a riqueza e o lucro são ruins e de direita. Agora, vem o discurso de direita, dizendo que calor, CO2 e direitos humanos são mentiras de esquerda. Aliás, a organização do mundo por ideologia cultural e mística é um circo montado para que as pessoas se esqueçam do que realmente está em jogo.

Saber o papel da ignorância na compreensão das coisas e qual a força do atraso de quem quer desestruturar a ordem institucional e científica do mundo por razões ideológicas ou políticas é fundamental.

Uma das características mais duradouras encontradas em pesquisas de opinião nas democracias do mundo é o estarrecedor desconhecimento que as pessoas têm sobre assuntos que são pautas de políticas a serem decididas. Desconhecimento no sentido de incompreensão, falta de conhecimento. Não que as pessoas não tenham ouvido falar e até tenham opinião a respeito, mas simplesmente que elas não estão suficientemente informadas.

Evidente que existe um componente educacional, mas essa falta de conhecimento vai de analfabeto a doutor. Algo compreensível, já que boa parte dos assuntos é específica e mesmo quem estudou ou vivenciou muito um tema nem sempre está melhor equipado para julgar um assunto de uma área alheia. Como a maioria dos britânicos não sabiam da importância da União Europeia (EU) para o país.

O que explica muito o Brexit, por exemplo, é que, de todos os países da UE, a Inglaterra é a que pior avalia o grupo desde sempre. Único país da UE que, em todos os anos de 2001 a 2018, mais de 50% da população diz não confiar na UE. Ou seja, terreno fértil para se semear a discórdia. Enquanto isso, a população da maioria dos países do grupo diz confiar mais na UE do que nas instituições de representação nacionais. Os britânicos, pós-Thatcher, desconfiam de ambas.

Considerando que desconhecer é a regra, a opção pela moderação e uma opinião de centro é uma boa sabedoria. Um ponto de partida. Pouca gente se dá realmente ao trabalho de entender um tema a fundo, ouvir todos os argumentos, refletir, fazer as contas. Assimetria de informação é algo muito real e presente. Grande parte das vezes custa muito ter as informações certas. Por isso, na dúvida, o meio. Melhor regular a vida com mão leve.

Aqui que está o problema atual. As pessoas estão fugindo do meio. Estão indo para as beiradas. Ou melhor, elas estão sendo expulsas do centro, ou atraídas ; por meio de coação ; para os extremos. Isso é um fenômeno mundial nas democracias. O pior da polarização.

O problema é que pautar sua opinião de forma constante e polarizada não é natural. Uma hipótese é que o ser humano evoluiu privilegiando a sensatez. A pessoa que não se interessa muito sobre um assunto e decide não aderir a nenhuma opinião extrema a respeito é uma sábia. Ela tem mais chances de sobreviver no quadro geral da vida porque vai errar menos.

Uma segunda hipótese é que a despeito da sabedoria do caminho do meio imperar ao longo da história, ela não permite grandes mudanças que alguns desejam ver em vida. O anseio por sentir-se parte de um grande momento transformador é cativante. Grandes mudanças de curso são naturalmente arriscadas. Por isso, não são propostas nem lideradas por sábios.

Como apontado por Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, o Brexit foi uma vacina sobre o deslumbrado desejo de mudança radical dos destruidores de instituições. Ainda é cedo para dizer se a vacina chega à próxima eleição. Por isso, o crescimento dos partidos verdes no Parlamento Europeu é um ótimo alerta para quem prega o discurso obscuro que nega o problema das mudanças climáticas. É prejuízo certo aos interesses da agricultura de países com pretensão de entrar de forma positiva no comércio com a OCDE.

O mundo vem balançando ;fora da curva; da razoabilidade. Está visivelmente desequilibrado. A briga dos EUA com a China pelos cercamentos da tecnologia de informação e comunicação; a ganância sem fim que o petróleo segue impondo ao Oriente Médio; a possibilidade crescente de a China enfrentar de forma heroica seu lugar no mundo; os EUA dando empurrões inconvenientes na economia pelos quatro cantos do planeta; a Europa enfraquecida por seus antagonistas e pela falta de coragem de assumir uma união fiscal no bloco e liderar o mundo para a paz; a armadilha do baixo crescimento que tomou conta da América Latina e do Brasil.

** Aviso aos nossos leitores: A coluna entra de férias em julho e voltará em 4 de agosto.