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Líder pede desculpas após marcha histórica

Cerca de 2 milhões de ativistas tomam as ruas da ex-colônia britânica e exigem a renúncia de Carrie Lam, que admite ter provocado divisões e pesar na sociedade


As ruas do centro de Hong Kong se transformaram em uma espécie de mar escuro. De acordo com organizadores, 2 milhões de pessoas ; ou 28% da população ; participaram ontem dos maiores protestos da história da ex-colônia britânica. Vestidos de preto, jovens e adultos tornaram a gritar contra o polêmico projeto de lei sobre extradição para a China, suspensa por tempo indefinido anteontem pelo Executivo, e exigiram a renúncia imediata de Carrie Lam, ministra-chefe do governo autônomo. À noite, com as telas acesas dos celulares, passaram a entoar, em uníssono, a canção Sing Hallelujah to the Lord (;Cantem Aleluia para o Senhor;). ;Tornou-se um hino símbolo do desafio pacífico do povo de Hong Kong;, explicou ao Correio o assistente social Chan Ching Wa Jonathan, 54 anos, um sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial, em Pequim, que ontem participou da manifestação.

;Na manifestação de hoje (ontem), contabilizamos quase 2 milhões de pessoas;, comemorou Jimmy Sham, um representante da Frente Cívica de Direitos Humanos. Ele comparou o projeto de lei a uma faca apontada para Hong Kong. ;Quase atingiu os nossos corações. Agora o governo diz que não vai avançar, mas também se recusa a retirá-lo.;

Ante o clamor popular sem precedentes, Carrie Lam fez um raro pedido de desculpas pelo fato de seu governo ;ter levado a controvérsias e disputas substanciais na sociedade, causando desapontamento e pesar entre as pessoas;. Na véspera, ela tinha recebido o respaldo do governo da China ao paralisar os debates sobre o projeto de lei. Com os massivos protestos de ontem e o mea-culpa, o futuro de Lam à frente da ex-colônia britânica parecia indefinido. A pressão sobre ela deve aumentar nas próximas horas. Um partido de oposição anunciou que o líder estudantil Joshua Wong, 22 anos, ícone do movimento pró-democracia de 2014, será libertado hoje.

;Última gota;

Chan Ching Wa Jonathan acredita que a performanece de Carrie na entrevista coletiva de sábado foi a ;última gota;. ;Ao invés de oferecer palavras de calma ou algum tipo de desculpas, ou mesmo a reconciliação, ela partiu para o ataque e despejou uma enxurrada de queixas raivosas;, lembrou. ;Carrie reiterou que as emendas propostas (ao projeto de lei) eram boas, que a maioria da população de Hong Kong apoia o governo e que as ações da polícia foram corretas e virtuosas. Também culpou Taiwan por não aceitar as emendas à lei sobre extradição.;

Durante os protestos de ontem, a multidão depositou rosas e origamis em Admiralty, na parte leste do distrito central de negócios da ilha. Foi uma homenagem ao jovem que cometeu suicídio no sábado. ;Nós queremos o cancelamento da emenda proposta, não apenas uma suspensão temporária, e a renúncia de Carrie Lam. Provavelmente, ela é a chefe do Executivo de Hong Kong mais odiada desde 1997;, disse Chan.

;Retire a lei do mal!”, gritavam os manifestantes, que se concentraram em um parque e seguiram até as imediações do Conselho Legislativo (LegCo, Parlamento), no centro da cidade. O projeto de lei sobre extradição instigou na população de Hong Kong o medo de ativistas serem julgados pela China continental. Os moradores da região autônoma temem impactos à reputação da ilha perante a comunidade internacional e à atratividade do centro financeiro.

A revolta popular aumentou depois de quarta-feira, quando as forças de segurança reprimiram um protesto com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e spray de pimenta. Videos divulgados pelas redes sociais também mostraram policiais usando bastões para espancar ativistas. Os episódios foram os mais violentos em 22 anos, desde a devolução de Hong Kong à China, e deixaram cerca de 80 feridos. Hong Kong é governada sob o princípio ;um país, dois sistemas; (comunista e capitalista) e goza de liberdades civis não experimentadas pelo povo chinês.

Eu acho...


;Ao ignorar descaradamente todos os traços de fatos e de decência, e ao culpar os manifestantes, Carrie Lam fez com que a ira das pessoas explodisse. Tanto que, ao fim da entrevista coletiva, no sábado, um homem de 50 anos subiu na fachada do shopping center Pacific Place, desfraldou calmamente um banner em que denunciava o projeto de lei sobre extradição e, quatro horas depois, saltou para a morte.;
Chan Ching Wa Jonathan, 54 anos, assistente social, sobrevivente do massacre da Praça da Paz Celestial e manifestante em Hong Kong