No intervalo de uma semana, diferentes setores do mais alto escalão do governo norte-americano viram-se obrigados a responder, em variados diapasões, a sinais de agravamento em situações nas quais a agressiva política externa do presidente Donald Trump atua como fator de crise. Os problemas se estendem por quase todos os quadrantes geopolíticos: do Extremo Oriente à América Latina, passando pelo sempre desafiante Oriente Médio. A meio caminho entre os focos de tensão, os aliados europeus dos Estados Unidos se veem reféns do fogo cruzado, enquanto a Rússia, contrapeso histórico a Washington na arena global, firma posições nas áreas de interesse próprio. Correndo por fora, o contencioso comercial com a China persiste e começa a preocupar os que monitoram o andamento da economia global.
É no Irã que os acontecimentos se precipitam de maneira especialmente perigosa. Depois de ter deslocado para o Golfo Pérsico o porta-aviões Abraham Lincoln, acompanhado de seu grupo de combate aeronaval e reforçado pelo envio dos bombardeiros estratégicos B-52 ; chamados de ;fortalezas aéreas; ; para uma base no Catar, o Pentágono anunciou na noite de sexta-feira a partida antecipada para a região de mais um navio, o USS Arlington. A bordo, veículos anfíbios, mais aviões e baterias de sistemas antimísseis Patriot.
A movimentação militar no Oriente Médio coincide com o primeiro aniversário da retirada dos EUA do acordo nuclear, firmado em 2015, com o Irã e mais cinco potências (Rússia, China, Reino Unido, França e Alemanha). Depois de se eleger com um discurso de campanha no qual atacou o antecessor democrata, Barack Obama, Trump cumpriu em maio de 2018 a promessa de denunciar o tratado. Passado um ano, o regime de Teerã comunicou a decisão de se desobrigar de alguns dos compromissos assumidos ; por exemplo, retomando o enriquecimento de urânio.
O ultimato iraniano aos europeus acompanha a imposição unilateral de novas sanções econômicas por parte dos EUA, em especial sobre o setor petroleiro iraniano. A medida afeta negócios bilionários de empresas europeias e desagradou os governos aliados. A situação se repete, desde o início da semana, em relação a Cuba, outro alvo de cerco econômico americano. Na contramão de todos os antecessores nas últimas décadas, Trump determinou a aplicação de um dispositivo previsto em lei, mas sempre suspenso. Ele permite que sejam processadas na Justiça americana empresas de terceiros países cujas atividades se beneficiem de bens ou instalações confiscadas pelo regime cubano ; o que atinge o setor de turismo, com forte presença de capital europeu.
Em declaração sintomática, o presidente da Comissão de Relações Exteriores do parlamento alemão, Norbert Roettgen, reagiu acidamente ao cancelamento de uma visita ao país do secretário de Estado Mike Pompeo ; que trocou a escala em Berlim por uma visita-surpresa ao Iraque. ;Isso retrata muito bem o clima das relações bilaterais;, afirmou, invocando a indisfarçável falta de sintonia entre o presidente americano e a chanceler (chefe de governo) Angela Merkel.
Mas é no terreno comercial que a agressividade de Trump causa preocupações de fundo e de alcance global. A semana termina com a partida de uma delegação chinesa de alto nível enviada a Washington para negociar uma trégua na guerra de tarifas de importação entre as duas maiores economias do planeta ; em vão. Na sexta-feira, o represente comercial dos EUA, Robert Lighthizer, anunciou a elevação de taxas, de 10% pra 25%, sobre bens e serviços chineses que somam US$ 300 bilhões, e, com isso, a medida atinge praticamente toda a pauta de exportações da China para os EUA. ;As tensões entre Washington e Pequim são uma ameaça à economia global;, alertou a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde.
Venezuela
Na vizinhança sul-americana, porém, desponta uma indicação do fator mais profundo que pesa sobre a movimentação diplomática da Casa Branca. A escalada de tensão na Venezuela desde o fracassado levante militar convocado pelo líder oposicionista Juan Guaidó, em 30 de abril, parece ter contrariado Donald Trump. Na imprensa americana, assessores próximos ao presidente sugerem que a cartada de fogo jogada contra Nicolás Maduro deixou o presidente sem resultados e sem opções imediatas, e, por isso, colocou na linha de tiro o conselheiro para Segurança Nacional, John Bolton ; veterano da linha-dura republicana. Artífice do reforço militar na crise com o Irã, Bolton teria errado a aposta ao empurrar os EUA na direção de uma solução militar para o impasse venezuelano.;Essa linha de ação vai contra a narrativa que Trump busca construir para lutar pela reeleição, em 2020;, pondera o embaixador aposentado John Feley, hoje analista internacional. ;No momento em que estamos tirando tropas da Síria, do Iraque e do Afeganistão, como anunciar que vamos envolver 50 mil ou até 150 mil militares, sangue e recursos americanos, em um país onde nem sabemos dizer direito quem são os mocinhos e quem são os bandidos?;
;Essa linha de ação vai contra a narrativa que Trump busca construir para lutar pela reeleição, em 2020;
John Feley, embaixador aposentado dos EUA