Há três décadas, Wu;er Kaixi tinha 21 anos quando os anseios de democracia e de afrouxamento do controle social do Partido Comunista da China (PCC) começaram a fervilhar na Praça Tiananmen, também conhecida como Praça da Paz Celestial. Em 15 de abril de 1989, com a morte de Hu Yoabang, 10 mil estudantes ocuparam o centro nevrálgico de Pequim para homenagear o ex-líder do PCC que apoiava reformas. Sob o comando de Kaixi, os protestos aguçaram as divisões dentro do governo. ;Como qualquer movimento de massa, contávamos com a promessa de que o Partido cumpriria com as refomas. O PCC forneceu indicações de que se engajaria no diálogo com o nosso movimento, o que nos deu esperança. Mas o governo chinês decidiu pela pior das opções;, afirmou Kaixi ao Correio, que hoje vive em Taiwan.
Depois de 50 dias de manifestações, o grito por democracia foi sufocado por dezenas de tanques de guerra que dispararam e atropelaram a multidão. Apesar de o governo reconhecer 300 vítimas, documentos dos EUA citam 10.454 mortes. ;A China se tornou um Estado totalitário. No dia do massacre, em 4 de junho de 1989, eu estava na parte leste da Praça Tiananmen. Não vi o avanço das tropas, que chegaram pelo outro lado;, relatou.
De acordo com o historiador Jeff Wasserstrom, especialista em China moderna e professor da Universidade da Califórnia, em Irvine, desde o início dos protestos, o PCC atravessou várias fases. ;Com o fim do movimento social de 1989, o controle sobre intelectuais e a sociedade como um todo foi bastante apertado. No início dos anos 1990, as coisas começaram a se soltar, pois os líderes do Partido não quiseram enfrentar outro levante. A melhor forma de fazer isso era reprimir algumas ações e permitir mais liberdade em outras áreas.;
Kaixi e os milhares de estudantes ocuparam a Praça Tiananmen também para esboçar a frustração com o modo como o PCC parecia querer ditar cada aspecto da vida privada. ;O Partido buscou reconquistar legitimidade ao dar ênfase em temas nacionalistas na educação e na propaganda, e ao convencer as pessoas de que a vida melhorava, em termos de escolhas de consumo. A tendência era uma espécie de barganha com a população: ;abstenham-se de pedir mudanças políticas e desistiremos de tentar controlar vidas privadas;;, comentou Wasserstrom. ;Em 2008, o padrão mudou, e houve um enrijecimento muito mais intenso desde que Xi Jinping se tornou chefe do Partido, quatro anos depois, e presidente, em 2013.;
Mao Tsé-tung
Com a desaceleração econômica, o PCC voltou a tentar ditar o comportamento da população, e temas nacionalistas se tornaram mais pronunciados na propaganda. Wasserstrom não vê um completo retorno à era de Mao Tsé-tung (1949-1976), cofundador do Partido. Apesar de seu pensamento ter se igualado ao de Mao durante o 19; Congresso Nacional do PCC, em 2017, Xi não demonstra o interesse em encorajar os movimentos de massa de baixo para cima. O historiador da Califórnia reconhece, no entanto, mudanças perturbadoras que cortejam um retorno ao passado. Ele cita que as palavras e os livros de Xi têm sido tratados como sagrados, assim como ocorria com Mao. ;O PCC também pune pessoas por coisas ditas em ambientes relativamente privados, em vez de se preocupar com formas públicas de descontentamento em massa.;Professor de ciência política da Columbia University e especialista em política chinesa, Andrew J. Nathan explicou que a liderança do Partido estava dividida, em 1989, entre o secretário-geral Zhao Ziyang, que acreditava na solução pacífica da crise pelo diálogo, e os conservadores, incluindo o primeiro-ministro Li Peng. ;Deng Xiaoping (então líder supremo da China) estava alinhado a Li Peng, por temer que, se o PCC se engajasse no diálogo, isso abriria a porta ao caos e ao colapso do Partido. Não sei se Zhao ou Deng estava certo, mas podemos afirmar que a facção conservadora apostava que o controle do PCC estava sob risco.;
Segundo Nathan, o princípio do monopólio comunista de poder jamais se dissipou. ;O que está se modificando é que Xi e seus assessores exercem controle cada vez mais apertado sobre aqueles que estão de fora do centro do poder, incluindo cidadãos comuns, intelectuais, jornalistas, empresários e membros do PCC;, analisou. Para obter fidelidade de 90 milhões de membros do Partido, Xi exigiu uma disciplina partidária mais sólida. Além da campanha anticorrupção, que expurgou integrantes do PCC, há uma determinação para que os militantes estudem e aprendam o pensamento de Xi. O estudioso de Columbia reconhece a existência de um pequeno número de dissidentes e adverte que eles estão sob tremenda pressão e grande perigo. ;Não se pode ter a ousadia de se opor abertamente a Xi ou de pedir uma mudança.;
Três perguntas para
Wu;er Kaixi, dissidente chinês de origem uigur e um dos líderes dos protestos da Praça de Tiananmen, em 1989
O senhor vê semelhanças entre o controle imposto pelo Partido Comunista da China, em 1989, e o domínio atual?
Não, não acredito. De fato, a década de 1980 foi a melhor época na história da república chinesa para a população. Havia muitas promessas, muita esperança, e o país se movia em direção a uma atmosfera mais relaxada. Depois da repressão sangrenta ao movimento estudantil, em 1989, o Partido Comunista decidiu que comandaria o país com a imposição do medo e com um controle muito intenso.
O presidente Xi Jinping tem sido comparado a Mao Tsé-tung, em termos de pensamento. O senhor crê que ele reforça o controle sobre a sociedade para inviabilizar a dissidência?
Xi e Mao compartilham o mesmo tipo de linha de pensamento, mas o segundo é apenas líder de uma revolução, que tomou o governo e decidiu permanecer no topo do poder. Nesse ponto, Xi Jinping é bem similar. Ele não ascendeu ao posto por meio de uma revolução, mas herdou a posição de estadista. O pensamento do grupo de líderes da China tomou vantagem dessa liderança para saquear o país. Eles nada mais são do que um grupo de bandidos. Eles usam termos extravagantes, como ;pensamento;, ;ideologia; e ;ascensão de uma nação;, como uma fachada cosmética para encobrir o que realmente estão fazendo. É simples: estão saqueando a China.
Os slogans maoístas ; ligados ao partido soberano e absoluto ; estão retornando à cena na China?
Trinta anos depois, mas vozes da esquerda são consideradas dissidentes e se mostram muito marginalizadas. O Partido Comunista, com certeza, não é comunista. O grupo maoísta esquerdista é uma dissidência na China. Então, não... Não vejo a velha escola de volta ao cenário.
Pontos de vista
Retrocesso em vários pontos
Por Jeff Wasserstrom
;A China retrocede de formas importantes. Não existe um calendário claro para Xi Jinping renunciar, assim como ocorreu com seus antecessores. Apesar de o rosto, os slogans e os livros de Xi não serem tão onipresentes como foram os de Mao Tsé-tung, eles são partes muito mais importantes da paisagem urbana do que nos governos de Hu Jintao, de Jiang Zemin ou de Deng Xiaoping. Outro retorno preocupante aos padrões do passado tem sido a expansão dos ;campos de reeducação; em Xinjiang, nos quais centenas de milhares, talvez milhões, de uigures e de minorias étnicas estão encarcerados. É importante manter em mente que a história nunca se repete. Xi é um líder forte em uma era de lideranças fortes. A China está longe de ser o único lugar onde o nacionalismo muscular está em ascensão.;
Historiador especialista em China moderna e professor de história da Universidade da Califórnia, em Irvine
Reformas autoritárias
Por Andrew J. Nathan
;Xi Jinping aprendeu a lição de que, se a liderança central estiver dividida, elementos insatisfeitos na sociedade tomarão vantagem para desafiar o regime. Então, eles eliminaram todos aqueles dentro da liderança do Partido que mostravam sinal de discordância. Com base na unificação da liderança, Xi realmente embarcou em reformas ousadas, mas não as que o Ocidente esperava. Em vez de liberalização, ele se engajou em controle sobre a mídia. Em vez de mercantilização, reforçou o papel das empresas estatais. As reformas são ousadas, difíceis e autoritárias.;
Professor de ciência política da Columbia University e especialista em política chinesa