"Eu sou Halina Birenbaum, tenho 89 anos e vivo em Herzliya (Israel). Em Auschwitz, meu número de prisioneira era 48693. Fiquei muito grata ao escutar as grandes notícias sobre o desejo do papa Francisco de abrir os arquivos sobre o comportamento do papa Pio XII nos terríveis anos de caçada e extermínio de milhões de judeus apenas por terem nascido judeus.
Nenhum outro pontífice, tanto tempo depois do Holocausto, concordou em fazer isso. Mas a decisão de Francisco de divulgar os arquivos secretos em 2020 também levanta dúvidas e questões amargas. Passaram-se sete décadas. O fato de esses documentos serem lançados à luz somente agora não descarta que muito tenha sido modificado, inclusive nos anos 1940.
Sob o pontificado de Francisco, o Vaticano gostaria de mostrar Pio XII como alguém que ajudou muito a salvar a vida dos judeus em segredo e a torná-lo santo. O que não é verdade. Bastava uma frase de Pio XII aos cristãos de todo o mundo (;Ajude-os a fugir, não os submeta, é um pecado terrível;) para que nós, vítimas inocentes trágicas, tivéssemos chance.
[SAIBAMAIS]Até agora o papa Francisco não mencionou a palavra ;judeus;, mas o termo ;povos;. Todo tipo de gente, todos aqueles nos países europeus ocupados pela Alemanha foram exterminados em Auschwitz? Foram apenas os judeus, porque eram judeus!
Sim, Pio XII ajudou, com seu silêncio, os nazistas no genocídio, no Holocausto. Também depois que perderam a guerra, o Vaticano ajudou os nazistas a escaparem e a salvá-los da punição.
As explicações são muitas: os judeus teriam matado Cristo, os cristão acham os judeus invejosos. O papa Pio XII queria uma boa relação com os alemães. Ele queria que o Vaticano não fosse prejudicado com uma intervenção contra o massacre do povo judeu.
Vamos deixá-los abrir as palavras que incluem os arquivos do Vaticano. Que pena que muitos sobreviventes não tiveram tempo de ver isto."
Leia o relato de Halina sobre o inferno em Auschwitz
Halina Birenbaum, 89 anos, moradora de Herzliya (Israel)
"Eu estive em Auschwitz por quase dois anos, de meus 13 aos 15 anos. Fui testemunha e vítima das coisas mais terríveis. No entanto, não fui liberada em 27 de janeiro de 1945. Os alemães levaram milhares de judeus, inclusive eu, em 18 de janeiro, para caminhar por cinco dias e cinco noites em direção a outros campos nazistas na Alemanha. Eles executaram muitos daqueles que não podiam caminhar por tanto tempo, sem comer e sem descansar. Eu andei, comi e bebi neve; Estava doente e fraca.
Para mim, o Dia da Liberação de Auschwitz é a data maior e a mais esperada. Um sonho impossível que tinha se tornado realidade! Significou a vitória sobre o mal mais terrível no mundo, além da felicidade por ainda estar viva e por ser convidada a falar para tantas pessoas sobre algumas de minhas experiências. Essa data também representa uma vitória pessoal. Auschwitz, com todo o assassinato em massa e os corpos queimando (na maioria de judeus) dia e noite; Trata-se de todos os crimes de guerra e do Holocausto juntos. O campo de extermínio tornou-se um símbolo de tudo o que existiu de pior na humanidade.
Ao longo de todos esses anos, eu me recordo dos trens lotados de gente caminhando pela rampa de Auschwitz, do grande fogo, da fumaça negra e do cheiro de carne queimada, das montanhas de roupas. Fui libertada pelo Exército Soviético no campo de Neustadt Glewe, em 3 de maio de 1945. Em um primeiro momento, não acreditei. Não sentia nada. Somente no dia seguinte eu disse a mim mesma: ;Sou livre, jovem (tinha 15 anos) e o mundo inteiro está aberto a mim;.
Eu cheguei a Auschwitz com Hela, minha cunhada de 20 anos. Tinha acabado de passar uma noite na câmara de gás, no campo Majdanek. Mas o gás não funcionou. Depois, veio o inferno verdadeiro: Auschwitz. Fileiras de pavilhões de tijolos e cercas de arame farpado eletrificado, torres com metralhadoras saindo das guaritas, assim como em Majdanek. Nas janelas do pavilhão, formas desiguais, sejam para homens quanto para mulheres. Não havia idosos nem crianças. Suas cabeças estavam raspadas, as faces mostravam-se indiferentes. Suas roupas incomuns e desbotadas, os sapatos enlameados. O mal sem fim presente em todos os lugares ao redor.
;Jamais sairei daqui;, eu pensava, tornando-me cada vez mais arruinada. Um dos piores momentos em Auschwitz eram as seleções, a escolha de quem iria para a câmara de gás, quem ficaria e retornaria a todo o sofrimento nos pavilhões.
Hela tinha se transformado em um esqueleto ambulante. Suas bochechas afundaram, os olhos tornaram-se grandes e esfomeados. As pernas e os braços pareciam tão finos quanto palitos de fósforo. Eu tentava evitar fitá-la nos olhos quando ela implorava por uma porção de sopa. Eu não podia esticar a mão para fora, ou corria o risco de ser espancada ou estuprada por tal mendicância.
Tudo se tornava irrelevante ao som de um apito e aos gritos que nos paralisavam: ;Todas as judias para fora!’ ou ;Judias, não se dispersem após a chamada geral!’. Em momentos assim, nós imediatamente esquecíamos da fome que torcia nossas entranhas. O frio, as horas que passávamos ajoelhadas na lama, com tijolos nas mãos, na chuva ou na neve; O que interessava exclusivamente era a espera do veredicto ; o movimento da mão de um de nossos ;mestres alemães;: para a esquerda, a morte; para a direita, a vida, ou mais sofrimento no campo.
Certo dia, eu caminhava atrás de Hela até a praça. Eles nos faziam permanecer em filas, nuas. Os doentes, os magros, os fracos, ou aqueles de quem eles não gostavam por qualquer razão, recebiam ordens de ir para a esquerda. Eu não estava com a aparência tão ruim, mas tremia, com medo por Hela. Ela não teria chance. Enquanto nos aproximávamos da triagem da SS, eu me movi para perto dela, tentando escondê-la com meu corpo. Eu mal conseguia respirar, ante tanta tensão. Então, Mengele levantou a mão e apontou que Hela fosse para a esquerda. Com toda a minha força, eu pressionei-a contra mim. Os kapos lutaram comigo para que eu a soltasse. ;Quem é ela para você?;, perguntaram. ;Ela é minha mãe, minha irmã, minha cunhada. Não posso viver sem ela;, falei, como se me dirigisse a um ser humano. O ;mestre da vida e da morte; decretou seu julgamento: eu teria de ir com ela. O superintendente do bloco escreveu os números meu e o de Hela na lista da câmara de gás. Eu não permiti que eles me tirassem de onde eu estava e não soltei Hela de meus braços. ;Não vou morrer agora, nesse brilho da luz do dia;, eu dizia a mim mesma. ;E não retornarei sem ela.; Senti toda a força da vida.
O subcomandante de Auschwitz, Franz H;ssler, que estava parado diante de nós, conversando com um grupo de altos oficiais, me chamou para mais perto, abanando o dedo. ;Cale-se!’, ele interrompeu o meu pedido de clemência. ;Se não, você irá para lá;, acrescentou, apontando as chamas que saíam da chaminé do crematório. ;Se ficar quieta, vou soltar você e sua Schweigerin (cunhada);. Os oficiais explodiram em risada. H;ssler ordenou que o superintendente riscasse nossos números da lista de condenados à morte. Um poderoso tapa no meu rosto me lançou ao chão. Em um impulso de gratidão, eu me joguei para abraçar H;ssler. Eu tinha renascido com Hela. Mas ela duraria pouco tempo. Após a seleção, Hela mostrou-me as pernas e braços e disse: ;Nada além de ossos nus. Eu não estou mais viva. Apenas respiro com sua respiração;. Eu tentei convencê-la de que a guerra acabaria logo e que ela se recuperaria. Mas Hela sabia que era impossível enganar o destino.
Fiquei sozinha, aos 13 anos. Trabalhava classificando as roupas dos assassinados. Diante de nós, uma coluna de judeus a caminho das câmaras de gás. Uma vez, o nosso grupo foi parado por um casal que carregava um bebê nos braços. Eles nos perguntaram quão distante era a colônia judaica, pois precisavam alimentar a criança. Ficamos em silêncio. Eles tinham apenas algumas dezenas de metro de caminhada até a colônia final de suas vidas. O céu, assim como a fumaça da chaminé."