No dia em que o líder opositor venezuelano Juan Guaidó, autoproclamado presidente interino do país, prometeu concretizar a entrada de ajuda humanitária na Venezuela, as cenas vistas foram de confrontos nas regiões de fronteira com o Brasil e a Colômbia e caminhões retornando aos países de saída sem conseguir entregar as toneladas de alimento e remédios ao povo venezuelano.
Ao menos três pessoas morreram, sendo um adolescente de 14 anos, e 31 ficaram feridas em Santa Elena do Uairén, cidade venezuelana na fronteira com o Brasil, em conflitos com a Guarda Nacional Bolivariana (GNB). Na divisa com a Colômbia, dois caminhões que transportavam ajuda foram incendiados por partidários do presidente Nicolás Maduro na ponte Francisco de Paula Santander, que liga Cúcuta (Colômbia) e Ureña (Venezuela) e 42 pessoas ficaram feridas em confrontos com militares na ponte Simón Bolívar, principal passagem entre os dois países.
Com os confrontos, os caminhões, que haviam adentrado poucos metros na Venezuela, retornaram para os territórios colombiano e brasileiro.
Na região de fronteira em Pacaraima (Roraima), venezuelanos radicados no Brasil passaram para o lado da Venezuela, queimaram carros e lançaram pedras em militares da GNB, que reagiram devolvendo pedradas, tiros de borracha e gás de pimenta. A situação ficou mais tensa conforme venezuelanos e militares chavistas se aproximaram do marco fronteiriço que divide os dois países.
Pedradas de lado a lado ficaram mais frequentes. Dois carros, entre eles o da reportagem do Estado, ficaram isolados entre os dois lados do confronto e chegaram a ser alvejados por pedras. Um fotógrafo da agência Efe foi atingido por uma pedra.
Após quebrar paralelepípedos em pedaços menores para arremessar contra os guardas, os manifestantes subiram no marco fronteiriço e tentaram hastear a bandeira venezuelana, a meio mastro desde que a divisa foi fechada na quinta-feira. Sem conseguir, acabaram roubando-a.
Quando às pedras se somaram tiros e bombas de gás, houve correria e a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP), a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e o 7.º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS) agiram para acalmar a situação.
Dois caminhões venezuelanos, dirigidos por voluntários que vivem do lado brasileiro da fronteira, fizeram o transporte da ajuda humanitária de Boa Vista até Pacaraima e, em seguida, para o território venezuelano. Um dos motoristas, Leister Sánchez, afirmou horas antes do confronto que "não temia violência". Após a confusão, ele apenas lamentou. "Não precisamos disso."
Os caminhões, que cruzaram apenas 3 metros adentro a fronteira venezuelana, sem chegar ao posto de aduana, ficaram estacionados durante a tarde, mas após o começo da confusão com a GNB e manifestantes denunciando um suposto infiltrado do chavismo, voltaram para Pacaraima. Ao Estado, outro representante da oposição, Thomas Silva, disse que a orientação era esperar para evitar mais violência. Um representante diplomático americano lamentou à reportagem a desorganização da operação.
Ajuda queimada
Na fronteira da Venezuela com a Colômbia, dois caminhões de uma caravana de quatro também retornaram ao fim do dia. Os outros dois foram incendiados quando os militares venezuelanos bloquearam a passagem da caravana e jogaram bombas de gás lacrimogêneo contra os manifestantes.
Guaidó, que estava na cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira com a venezuelana Ureña, culpou no Twitter o governo de Maduro. No meio dos distúrbios na ponte de Santander, em Ureña, onde 42 pessoas ficaram feridas, a deputada da oposição Gaby Arellano acusou os militares de queimarem os veículos.
"As pessoas estão salvando a carga do caminhão e cuidando da ajuda humanitária que (o presidente Nicolás) Maduro, o ditador, ordenou que queimassem", disse aos repórteres.
Na noite de ontem, o presidente colombiano, Iván Duque, e Guaidó condenaram as ações dos militares e disseram que vão buscar novas opções diplomáticas "para encerrar a ditadura Maduro".
Ação diplomática
Depois do confronto envolvendo cidadãos venezuelanos radicados no Brasil e militares da Guarda Nacional Bolivariana (GNB) na fronteira entre os dois países ontem, o Estado ouviu as primeiras impressões de oficiais do Exército envolvidos na Operação Acolhida e integrantes do pelotão de fronteira do 7.º Batalhão de Infantaria de Selva (BIS), responsável pela segurança na fronteira com a Venezuela.
Os militares brasileiros fizeram uma varredura em solo próximo à linha de fronteira para afastar os últimos venezuelanos que continuavam atacando bases das forças leais a Maduro. Para eles, as forças venezuelanas "agrediram o Brasil" e avançaram sobre a fronteira ao se deslocarem até o último marco físico e revidarem as pedradas, além de terem disparado bombas de gás contra o território nacional.
"Foi um episódio lamentável. Ninguém esperava que isso acontecesse no nosso território. Recebemos uma chuva de gás lacrimogêneo vindo do território venezuelano e esperamos que isso não fique assim", disse o coronel José Jacaúna, chefe da Operação Acolhida, que, segundo ele, foi afetada e paralisada ontem. "Algo deve ser feito em termos de relações internacionais. Alguma ação diplomática em face a esse governo (Maduro) que nos atacou. Não há uma ofensa ao território nacional, mas há rusga."
"Quem vai dizer que foi uma agressão ao País é o presidente (Jair Bolsonaro), nosso comandante. Não reconhecemos o governo Maduro. A diplomacia já disse isso e é quem deve se manifestar", completou.
A situação foi comparada por um militar a conflitos ocorridos durante a missão de paz da ONU no Haiti, liderada pelo Brasil. Ele pediu para não ser identificado e disse que o Exército agiu apenas com alguns militares desarmados na linha de fronteira para "evitar uma escalada desnecessária da violência".
Até o começo da noite de ontem, o governo brasileiro não havia se manifestado em relação à declaração do comandante da Operação Acolhida.
Tranquilidade
Em entrevista ao Estado publicada ontem, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse que "não há possibilidade de confronto militar" entre Brasil e Venezuela apesar dos conflitos como os registrados na fronteira na sexta-feira e ontem.
"A determinação que nós recebemos do presidente Jair Bolsonaro é de que, de jeito nenhum, as Forças Armadas brasileiras atravessarão a fronteira", disse o general. "De forma alguma nós vamos manter qualquer ingerência em relação ao território venezuelano."
O ministro também afirmou que não houve o aumento de pessoal militar em Pacaraima e que "a posição das nossas forças no local é de completa normalidade". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.