Há 60 anos, em 1; de janeiro de 1959, um movimento guerrilheiro liderado por Ernesto Che Guevara e por Fidel Castro destituía o ditador Fulgencio Batista e implantava em Cuba um regime comunista. Com a morte de Fidel e a aposentadoria do irmão Raúl Castro, o presidente Miguel Díaz-Canel assumiu o poder e prometeu levar adiante os planos do antecessor de criar uma nova Constituição. Entre 13 de agosto e 15 de novembro, o projeto da Carta Magna foi submetido a debate popular. Em 24 de fevereiro, o texto será submetido a referendo popular. Expoentes da oposição cubana compartilharam com o Correio o ceticismo em relação a uma abertura política na ilha, que ensaiou, no mês passado, uma flexibilização no campo da economia, com medidas para normatizar a iniciativa privada.
Por e-mail, a jornalista e blogueira Yoani Sánchez afirmou que o termo ;comunismo; deve retornar ao Preâmbulo da Constituição. ;O desaparecimento dessa palavra da Carta Magna tem sido muito criticado pelos velhos militantes do Partido Comunista de Cuba. A pessoa que ocupar o cargo de primeiro-ministro nada poderá fazer que não seja aprovado pela legenda. O premiê será mero executor de orientações;, comentou. Coordenador-geral da organização Unión Patriótica de Cuba (Unpacu), José Daniel Ferrer acredita que a nova Constituição não trará mudanças substanciais, apenas variações cosméticas. ;No aspecto econômico, buscarão oferecer maior atrativo e segurança ao investidor estrangeiro. Mas a propriedade privada seguirá como um pecado para o castrismo.;
Ferrer concorda com Yoani em relação à inalteração do regime. De acordo com ele, a nova Constituição manterá o artigo 5, que outorga ao Partido Comunista o controle absoluto da sociedade. ;Nós seguiremos como uma nação de partido único, o qual seguirá perseguindo, encarcerando e torturando opositores;, lamentou. O dissidente acrescenta que o aparato repressivo é ;muito eficiente; e intimidador. ;Ele também se manterá como o principal empregador da ilha e utilizará a total asfixia econômica como mecanismo de controle.;
Para Sebastian Arcos, vice-diretor do Instituto de Pesquisa Cubana da Universidade Internacional da Flórida (em Miami), o projeto constitucional visa ensaiar a institucionalização do legado político de Raúl Castro. O especialista vê poucas modificações nos fundamentos stalinistas estabelecidos pela Constituição de 1976. ;Trata-se de aparentar mudanças irreais, a fim de confundir a opinião pública estrangeira. O texto será mais totalitário do que os anteriores. Além de subordinar todo o poder político ao Partido Comunista de Cuba (artigo 5), e considerar que o regime socialista é irrevogável (artigo 3), ele eliminará qualquer possibilidade de reforma desses artigos citados;, disse. ;Com a nova Constituição, o regime se entrincheira ainda mais na ideologia fracassada do socialismo, e mantém todo o poder nas mãos da mesma elite partidarista-militar-oligárquica.;
Yoani antecipou a desistência do regime de incluir ponto considerado sensível no texto: o casamento homossexual. Ela explicou que, ainda que tenha sido bem recebido pela comunidade LGBTI e pelos progressistas, o tema enfrentou resistência entre religiosos e setores mais tradicionais, como os agricultores. No último dia 19, o secretário do Conselho de Estado e coordenador da redação da Carta Magna, anunciou que ;o projeto de Constituição de Cuba não definirá que sujeitos integram o matrimônio, com o qual esta discussão sai do universo constitucional;.
O que esperar do texto que substituirá a Constituição de 1976
Propriedade privada
O texto deverá reconhecer a Constituição privada, o livre mercado e o investimento estrangeiro como motores de impulsão da economia combalida. A reforma teve início em 2008, quando o então presidente Raúl Castro permitiu aos cubanos realizarem negócios por conta própria.
Adeus à sociedade comunista
O atual documento determina que o Partido Comunista de Cuba (PCC) organiza e orienta os esforços comuns rumo aos objetivos da construção de um socialismo. O novo texto deverá manter o ;caráter socialista; do sistema e eliminar o uso da expressão ;sociedade comunista;.
Presidente e primeiro-ministro
Pela primeira vez, Cuba contará com a figura de um primeiro-ministro. No entanto, o poder seguirá concentrado nas mãos do presidente.
Mandatos de cinco anos
O mandato do presidente ficará limitado a cinco anos, com única possibilidade de reeleição por igual período. Os candidatos a chefe de Estado deverão ter entre 35 e 60 anos.
Casamento gay
A nova Constituição pretendia incluir a legalização da união homossexual, mas a medida não será mais apreciada, por resistência da população.
Três perguntas para
Yoani Sánchez, filóloga, jornalista, blogueira e dissidente cubana
Você espera alguma mudança significativa na nova Constituição cubana?
Enquanto seguir sustentando que o sistema socalista é irrevogável (artigo 3;) e que o Partido Comunista é a força dirigente da sociedade e do Estado (artigo 5;), não se pode afirmar que a futura Constituição trará mudanças significativas. O país está muito necessitado de investimentos estrangeiros para melhorar sua infraestrutura e para modernizar a indústria. Por esse caminho haverá maior abertura, mas será preciso modificar substancialmente a Lei de Investimentos Estrangeiros. O Estado não renuncia a ter o controle dos meios fundamentais de produção e não se assiste a uma maior vantagem para que os empreendedores nacionais se transformem em empresários.
Com as prováveis mudanças a caminho, o regime também se abrirá mais ao mundo?
O governo cubano necessita urgentemente de legitimidade internacional. Na segunda década do século 21, o requisito da democracia está se tornando cada vez mais importante para obter o reconhecimento da comunidade internacional. As mudanças introduzidas tendem a dar aparência de flexibilidade, mas, enquanto não se estabelecer o pleno direito dos cidadãos de se expressarem e de se reunirem livremente, não haverá oportunidade real para uma Cuba mais democrática.
Acredita que a população cubana aprovará a nova Constituição no referendo de 24 de fevereiro?
Ainda não se promoveu uma campanha unitária de parte da oposição política para rechaçar a Constituição no referendo de 24 de fevereiro. As opiniões estão divididas entre aqueles que votarão pelo ;Não;; os que propõem não reconhecer a legitimidade do processo, por isso não participarão da votação; e aqueles que escolherão anular a cédula. A Constituição receberá a maioria do voto positivo, pois prevalece um ceticismo generalizado que leva a crer que ela será aprovada de qualquer modo. Se houvesse uma surpresa, seria uma abstenção de 20% do eleitorado e um voto contrário de cerca de 30% dos eleitores. (RC)