Alexander Mishkin é o orgulho de sua aldeia natal na Rússia. Ele recebeu a medalha de mais alto nível do país. Sua foto decora a parede de uma escola local. Vários moradores da aldeia remota de Logya, localizada entre pântanos e florestas profundas na região noroeste da Rússia, em Arkhangelsk, o reconheceram facilmente na quarta-feira 10, com um dos dois homens acusados por autoridades britânicas de envenenar o ex-espião russo Serguei Skripal.
Mas para eles, Mishkin é apenas um garoto local de bom coração, um "Herói da Rússia" que construiu uma carreira de sucesso como médico militar graças a seu trabalho árduo e coragem. "Ele estudou na escola aqui", disse Yuri Poroshin, um pintor amador que mora em Logya. "A foto dele está pendurada na parede porque ele é um herói da Rússia." Poroshin disse ter ouvido que Mishkin recebeu a medalha mais alta da Rússia por ter salvado a vida de seu comandante durante combates com os rebeldes islâmicos na Chechênia.
De acordo com a polícia britânica, dois agentes da agência militar de inteligência, a GRU, que viajavam sob os pseudônimos Alexander Petrov e Ruslan Boshirov, usaram o agente neurotóxico novichok para envenenar o ex-agente secreto russo Serguei Skripal e sua filha, Yulia, na cidade inglesa de Salisbury. Nesta semana, o grupo investigativo Bellingcat, identificou Petrov como Dr. Alexander Mishkin, um agente da GRU que recebeu a maior medalha da Rússia. Anteriormente, o grupo havia descoberto a identidade real de Boshirov, determinando que ele é um coronel da GRU, Anatoly Chepiga.
A Bellingcat realizou sua investigação a partir de informações de passaporte, bancos de dados de moradores, documentos de automóveis e registros telefônicos, e determinou que Mishkin, de 39 anos, cresceu em Logya antes de se mudar para São Petesburgo, onde estudou medicina na escola de elite Academia Militar Médica Kirov. Alguns dos moradores de Loyga corroboram tais informações, dizendo de Mishkin de fato foi treinado como médico militar.
Eles disseram que ele continuou a visitar Lyoga, onde sua avó, de 90 anos, ainda mora. A mulher de Poroshin, Valentina Poroshina, se lembra com carinho de Mishkin, com quem falou pela última vez em um trem há quatro anos. "Ele era um bom menino. Foi muito educado", disse. Poroshin reconheceu imediatamente Mishkin quando viu as fotos divulgadas pela polícia britânica. "Sim, é ele. Ele se parece com o pai e com a avó". A neta dos Poroshin, Yulia, disse que Mishkin foi elogiado como modelo em sua escola. "Temos até um portfólio sobre ele", disse a aluna de sexta série.
Vários outros moradores também reconheceram o homem, mas não falaram sobre ele. No entanto, a líder da aldeia, Svetlana Lukina, negou que o homem nas fotos fosse Mishkin, dizendo que não o reconheceu. "As pessoas estão procurando algo para se distrair", declarou, depois de ver as fotos. "Eles inventaram tudo. A família dele não vive aqui há muito tempo. São tudo rumores e boatos."
Na quarta-feira, a vila estava, em grande parte, deserta, já que apenas veículos pesados são capazes de navegar por suas estradas de terra não-pavimentadas. Algumas pessoas, algumas delas bêbadas, passavam pelas ruas, cobertas por tábuas de madeira. "Somente aqueles que não têm para onde ir ficam aqui", disse Poroshin. "Apenas bêbados e pensionistas ficaram. Todos os jovens bons se foram."
No mesmo dia, o prédio de dois andares e tijolos cinzas da escola estava fechado, e uma placa ao lado da porta anunciava a proibição de tirar fotos ou gravar vídeos. Um funcionário da instituição disse à repórter da Associated Press para ir embora.
O porta-voz do presidente Vladimir Putin, Dmitry Peskov, se recusou a confirmar que Putin havia concedido a medalha a Mishkin de Herói da Rússia. Ele insistiu que o Kremlin não discutiria relatórios investigativos ou artigos da imprensa sobre o envenenamento dos Skripal sem que haja um pedido britânico por informação.
Skripal é um ex-militar da inteligência russa se tornou agente duplo para a Grã-Bretanha. Sua filha passou semanas em condição crítica após o ataque, em março. Em junho, um casal de moradores da região, que aparentemente entraram em contato com um frasco descartado que continha Novichok, também adoeceram, e a mulher morreu.
A Grã-Bretanha afirma que o envenenamento foi autorizado por uma autoridade "de nível sênior no Estado russo", algo que tanto o Kremlin ou os dois suspeitos negam veementemente.
O analista independente Pavel Felgenhauer, que mora em Moscou, disse que o ataque em Salisbury marcou uma escalada perigosa da disputa entre a Rússia e o Ocidente. "Os russos estão tratando a Europa Ocidental como a Europa Ocidental está tratando a Síria e o Afeganistão - como uma zona de batalha - caso estejam colocando agentes de operações especiais para trabalhar", disse.