Los Angeles, Estados Unidos - Um juiz da Filadélfia recebe um e-mail, informando-o do caso de um jovem em situação clandestina no país que estava sendo avaliado em sua corte. Seu processo acabou transferido para outro tribunal, que encerrou o procedimento e ordenou sua deportação.
Tomada pelo Departamento de Justiça (DoJ), a decisão de deportação faz parte de uma política de maior pressão para que os juízes migratórios dos Estados Unidos decidam com mais rapidez sobre os processos sob sua responsabilidade.
O sindicato desses magistrados, o NAIJ, apresentou em 8 de agosto uma nota de protesto ao Escritório Executivo de Revisão Migratória (EOIR), subordinado ao DoJ. Na carta, criticam o que consideram uma "violação à autoridade" de sua posição na corte.
"A essência de ser juiz passa por sua habilidade de tomar decisões, sem que intervenham fatores externos que tentem influenciar sua decisão", disse à AFP a presidente da NAIJ, Ashley Tabaddor, que despacha em Los Angeles e diz ter "uma corda no pescoço".
A Justiça migratória nos Estados Unidos não está subordinada ao Poder Judiciário, mas ao Executivo. Suas cortes administrativas e seus juízes são nomeados pelo procurador geral, à frente do DoJ. E, assim como são designados, também podem ser demitidos.
O presidente Donald Trump chegou ao poder com um discurso anti-imigrantes, chegando a chamá-los de criminosos, estupradores e traficantes de drogas, por exemplo. Seu procurador geral, Jeff Sessions, que tem a mesma postura linha-dura, anunciou este ano que vai avaliar os juízes pelo número de casos que tiverem fechado até o final do ano, em um sistema com milhares de processos abertos.
O NAIJ também apresentou uma queixa por essa medida, que espalhou "muita ansiedade e preocupação" na categoria, apontou Tabaddor.
"Não se trata de uma fábrica (...), processamos casos extremamente complexos (...) o volume é muito intenso e, ao mesmo tempo, o que está em risco é muito grande", disse a juíza Dana Leigh Marks, presidente emérita da organização, referindo-se às ameaças de morte sofridas por muitas dessas pessoas forçadas a emigrarem para os Estados Unidos.
E esses casos demandam tempo. O DoJ ainda não respondeu à solicitação da AFP por um comentário a esse respeito.
;Pior pesadelo;
O juiz da Filadélfia que teve seu caso direcionado é Steven Morley, nomeado em 2010. O processo era o de Reynaldo Castro-Tum, um guatemalteco que cruzou a fronteira em 2014, então com 17 anos, sem a companhia de um adulto.
Foi entregue a seu cunhado, cujo endereço seria usado para enviar as citações judiciais. Foram-lhe enviadas cinco intimações, e Castro-Tum nunca compareceu à Justiça. Morley decidiu dar ao caso um "encerramento administrativo", que é basicamente uma pausa para investigar se o rapaz realmente recebeu a correspondência.
Segundo a rede CNN, o endereço era de uma comunidade de pessoas que vivem em trailers.
O procurador Sessions - que neste "sistema judicial" é uma espécie de Suprema Corte de um único membro - revogou a decisão, argumentando que os juízes não tinham a autoridade para fechar casos "à discrição", e ordenou a emissão de outra intimação. Se esta última não fosse cumprida, seria seguida de uma ordem de deportação.
Era 31 de maio, e Castro-Tum voltou a não comparecer. O advogado Matthew Archambeault pediu uma prorrogação para tentar determinar o paradeiro do jovem. O juiz a concedeu e, nesse meio-tempo, recebeu o e-mail dos adjuntos ao chefe dos juízes de migração, Jack Weil, informando-lhe que o caso havia sido redirecionado, "porque a corte esperava que tivesse tomado uma decisão".
Um juiz foi enviado de Washington para tratar apenas deste caso. Encerrou-o e ordenou a deportação do rapaz, o qual, acredita-se, sequer estivesse no país.
"É nosso pior pesadelo tornado realidade: se o Departamento não está satisfeito com como você está lidando com o caso (...) chama outro juiz mais próximo da sua perspectiva", disse Marks à AFP, garantindo que sempre foram pressionados por todos os governos, incluindo o de Barack Obama. Com Trump, porém, "sentem mais (pressão) do que nunca".
"Lidamos com essas complexas incompatibilidades desde o nascimento dessas cortes", indicou Tabaddor, acrescentando que "se acentuaram mais com o tempo, mas nunca como hoje". Esse governo "cruzou todas as linhas e fez isso com gosto", completou.